sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Panorama das RIs nos Estados Unidos

Nesta semana foram divulgados os resultados de uma ampla pesquisa sobre os professores e pesquisadores de Relações Internacionais nos Estados Unidos, que nos dão excelente panorama do país que lidera a disciplina. Os dados mostram acadêmicos bem sintonizados com as prioridades diplomáticas americanos, mas com posições políticas divergentes dos últimos governos.

O gráfico que abre o post ilustra a convergência de pesquisadores e líderes políticos quanto aos principais temas da agenda global para os Estados Unidos: a ascensão da China, as turbulências no Oriente Médio (não por acaso, ênfase da nova estratégia de segurança nacional anunciada na 5ª feira) e a crise econômica internacional. Os acadêmicos olham com mais atenção para assuntos sócio-ambientais como pobreza e mudança climática, as pessoas em postos-chave no Estado preocupam-se mais com questões de segurança, como terrorismo, armas de destruição em massa e ciber-ameaças.

Os pesquisadores de RI são sobretudo homens (no Brasil, é bem mais equilibrado, e a maior parte das minhas turmas é formada por mulheres) e cerca de dois terços identificam-se politicamente como “liberais” – o que classificaríamos por aqui como “progressistas” ou “centro-esquerda”. É um contraste forte com a sociedade americana como um todo, bem mais conservadora, onde os liberais estão em geral na faixa dos 25%-30%.

Isso explica também porque a maior parte dos acadêmicos avalia negativamente os últimos presidentes americanos (se bem que isso vale para multidões, do Tea Party ao Occupy Wall Street) e se mostram bastante céticas das doutrinas de intervenção militar humanitária, tão em voga ultimamente nos Estados Unidos. Como se vê pelo gráfico abaixo, somente as ações contra Kadafi foram bem aceitas e a possibilidade do uso da força contra Irã e Paquistão encontra resistências muito maiores.

Do ponto de vista teórico, a corrente mais seguida pelos acadêmicos é o construtivismo, seguida do liberalismo institucional. Os realistas – que eu diria que ainda dominam a cena de RI no Brasil, embora o quadro mude rapidamente – são apenas 16%. Para quem não participa dos debates universitários, o resumo da ópera é que a maior parte dos pesquisadores acredita que identidades, culturas e instituições são temas essenciais nas RIs, em contraste com as abordagens clássicas da Guerra Fria que priorizavam discussões sobre poder, em especial capacidades militares.

Contudo, a lista dos acadêmicos mais influentes da área – conforme indicados por seus colegas – ainda cita em destaque muitos expoentes do realismo, como John Mearsheimer, Kenneth Waltz, Henry Kissinger. Natural, visto que praticamente todos que trabalham com Ris foram formados lendo seus trabalhos, mesmo que para elaborar seus próprios estudos em críticas às abordagens tradicionais.

Infelizmente, não temos no Brasil um panorama tão amplo e detalhado do campo acadêmico de RIs, que cresceu muito a partir da década de 1990. O mais próximo que dispomos é o estudo realizado por Amaury de Souza há alguns anos sobre as opiniões da comunidade de política externa brasileira, que inclui meio universitário, empresários, diplomatas e jornalistas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caríssimo,

vale a pena ler o artigo do Steve Smith: THE DISCIPLINE OF INTERNATIONAL RELATIONS: STILL AN AMERICAN SOCIAL SCIENCE?

De fato, a maior parte da produção teórica é norte-americana, o que não é bom. A TRI dificilmente se divide em "caixas" onde se separa claramente realistas, liberais e construtivistas.

Desconfio desses "construtivistas", pois nos EUA, os "ecléticos" que abordam variáveis realistas, liberais e construtivistas em suas análises se reconhecem como "construtivistas" o maior expoente desse ramo é o Alexander Wendt, que já chegou a dizer que não é construtivista, como seus pares (Onuf, kratochwil). Ele se considera "realista científico".
Há construtivistas pós-modernos, racionalistas, pós-estruturalistas, uma cachaça!

Mas realmente o realismo é mais influente onde há poder! nos gabinetes de política externa

abração.
Helvécio.

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

Ao ler a pesquisa eu fiquei mesmo pensando na famosa frase do Stanley Hoffmann, de que as RI são uma "ciência americana".

Embora os departamentos de RI se multipliquem mundo afora, impressiona o quanto os autores americanos, secundados pelos britânicos, continuam a ter a hegemonia no campo. Mais do que poderíamos imaginar olhando os dados sócio-econômicos.

Me pareceu que dentro do construtivismo se agruparam diversos grupos muito diferentes entre si e que muitos dos liberais são realistas um pouco mais voltado para questões institucionais. Como você disse, é difícil separar as caixinhas das teorias.

abraços