domingo, 23 de outubro de 2011

Eleições na Tunísia: o teste da Primavera Árabe



As eleições parlamentares na Tunísia, ocorridas neste domingo, são o primeiro teste da Primavera Árabe. Como é natural em tempos de incerteza e conflitos, elas acontecem em meio a muitas dúvidas e preocupações: o crescimento acelerado do Islã político, a persistência das lideranças da ditadura no governo de transição e descontentamento e ceticismo da população com relação aos partidos, vistos como pouco capazes de responder às demandas econômicas.

Dez mil candidatos divididos em cerca de 120 partidos disputam 217 vagas no parlamento, que irá elaborar a constituição democrática em 2012. Os números impressionam mas a fragmentação é menor do que aparenta. A maioria das siglas é muito pequena, e apresentou candidatos apenas para um ou dois dos 33 distritos eleitorais.

Só quatro partidos disputam de maneira efetiva o poder. Três deles eram a oposição legalmente consentida (e restrita) sob a ditadura: o Partido Democrático Progressista, o Fórum Democrático e o Congresso da República. Estima-se que tenham, cada um, entre 5% e 15% dos votos. O favorito nas pesquisas é o partido da Renascença, com a perspectiva de ficar entre 20% e 25% do total. É uma sigla islâmica moderada, proibida sob o regime autoritário. Seu líder havia sido condenado à morte pelo ditador Ben Ali e vivia exilado no Reino Unido. As estimativas são precárias porque há muitíssimos indecisos, talvez até dois terços, segundo algumas projeções.

O sistema eleitoral tem inovações importantes: os partidos são obrigados a ter 50% de candidadas mulheres. A estimativa é que a Tunísia tenha algo como um terço de representação feminina no parlamento, o que seria alto para a média mundial – no Brasil, por exemplo, não chega a 10%. Há também seis distritos eleitorais destinados aos tunisianos que vivem no exterior, o que deve favorecer os partidos liberais e pró-Ocidente.

As principais preocupações são a possibilidade de um alto índice de abstenção e da radicalização islâmica. A população não tem se mostrada entusiasmada com as eleições e ocorreram muitos problemas de organização e de registro de eleitores. O governo de transição é liderado por figuras de proa da ditadura: o ex-presidente do Parlamento chefia a República, o ex-chanceler é o atual primeiro-ministro e ex-titulares da Fazenda, Defesa e Interior também estão no gabinete. Líderes da oposição participam em postos secundários, em geral nas pastas sociais.

Houve uma tentativa de incluir os jovens, com a nomeação de um blogueiro para secretário de Esportes e Juventude. Ele ficou poucos meses no cargo, renunciou em protesto contra medidas de censura à Internet. Por conta de casos assim, o símbolo juvenil mais conhecido do país, a blogueira Lina ben Mehany anunciou seu boicote às eleições.

O vácuo político abriu espaço para o rápido crescimento dos islamistas. Eles não são fundamentalistas, seu modelo é mais parecido com o da Turquia, mas ainda assustam. A Tunísia não é um Estado laico – as leis incorporam elementos das normas muçulmanas – mas é o único país árabe no qual a poligamia é proibida e uma decisão recente do Ministério da Educação veta o uso de véus nas escolas. Naturalmente, há o medo de que essa situação mude.

A economia da Tunísia é diversificada, com pesos importantes da indústria têxtil e de calçados, do turismo e da mineração. Mas ela enfrenta dificuldades, pois seus principais parceiros comerciais – União Européia e Líbia – foram muito atingidos pela crise global. Além dos desafios constitucionais, o parlamento precisará oferecer respostas efetivas a essas demandas sociais. Tarefa difícil em qualquer circunstância.

Pós-Escrito: minha entrevista à Globo News sobre as eleições na Tunísia.

4 comentários:

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

Grande dia para região, primeiro a Tunísia votando e hoje mesmo será anunciado o fim das hostilidades na Líbia em Benghazi.

Maurício Santoro disse...

É verdade, meu caro. As páginas da História estão sendo viradas. Mas há notícias preocupantes do alto nível de abstenção na Tunísia, estou postando no Twitter.

abraços

Anônimo disse...

Olá, Maurício!

Tenho uma dúvida. Como a Tunísia vetou o véu nas escolas? É uma proibição como a francesa, que tem como alvo as alunas?

Até mais!

Maurício Santoro disse...

Suspensãodejuízo,

Sim, o modelo da decisão foi a França e ela foi adotada pelo Ministério da Educação do governo de transição como precaução legal contra o aumento da influência do islã político.

Abraços