segunda-feira, 4 de julho de 2011

O Partido



O Financial Times talvez seja o jornal que tenha hoje a melhor cobertura internacional. Richard McGregor chefiou seu escritório em Pequim e lançou há pouco o excelente “The Party: the secret world of China´s communist rulers”. Seu principal argumento é que o PC chinês tem conseguido manter o controle sobre o país, apesar da expansão das reformas capitalistas, por meio de três pilares: militares, propaganda ideológica e a manipulação de funcionários na administração pública e no Estado.

Cada um dos oito capítulos do livro de McGregor aborda um aspecto da relação do Partido com a China, ou com si próprio: Estado, Forças Armadas, empresas, corrupção, recursos humanos, reformas capitalistas, províncias e memória histórica. O PC aprendeu com os erros do passado e com os equívocos de seus homólogos na URSS e na Europa Oriental, mas vive sob tensão pelas novas pressões oriundas do desenvolvimento sócio-econômico.

O Partido não está configurado como pessoa jurídica. Oficialmente, ocupa uma posição nebulosa, pairando acima do Estado. É uma enorme estrutura com cerca de 75 milhões de membros, dos quais aproximadamente 400 constituem o Comitê Central, 25 formam o Politburo e apenas nove o Comitê Permanente do Politburo, o núcleo duríssimo do poder chinês. Representantes partidários controlam não somente o governo e as empresas estatais, mas também estão presentes em muitas diretorias de firmas privadas – é difícil na China traçar exatamente a fronteira entre propriedade do Estado e dos particulares.

Depois do massacre da praça da Paz Celestial, houve um enorme expurgo no PC – quase 10% de seus membros foram investigados por simpatias com os dissidentes. Mas o partido não se fechou ideologicamente, ele tem adaptado-se para sobreviver, recrutando intensamente entre empresários e os melhores alunos das instituições de elites. O apelo não é doutrinário, mas a possibilidade de beneficiar-se da rede de contatos e de influência política do PC. A própria escola de formação de quadros virou uma espécie de grande MBA para executivos públicos, permitindo que ali eles conheçam colegas de todo o país e montem suas próprias alianças e conexões.

As próprias Forças Armadas também foram reformadas após os distúrbios de 1989, quando alguns generais se recusaram a atirar no povo. Em grande medida os militares foram afastados da repressão política doméstica e o Exército ganhou feição mais tecnocrática, bastante voltada para pesquisa científica e tecnológica.

Naturalmente, o partido não é onipotente. Tem falhado em enfrentar a corrupção, que grassa em larga escala, beneficiada pelas oportunidades trazidas pelo crescimento econômico. Tem tido dificuldade de lidar com escritores chineses dissidentes – em Hong Kong, Taiwan, ou na diáspora – que questionam suas premissas e revelam erros do passado, como a grande fome provocada pelas reformas de Mao Tsé-Tung na década de 1950. Outros países que passaram por ondas expressivas de desenvolvimento acabaram por democratizar-se sob pressão das novas classes médias ampliadas, quem sabe o mesmo ocorra na China...

5 comentários:

Mário Machado disse...

Em resumo comunismo revolucionário e estridente só sobreviveu pelas universidade do Brasil.. :)

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

O problema da corrupção é apenas uma necessidade do sistema, afinal quem tem poder quer capital e vice-versa para simplificar.

Mas, na era da globalização vivemos em escala mundial um enfraquecimento dos controles internos dos Estados Nacionais e dificuldades enormes para implementar regras contra lavagem de dinheiro, vejo que a China como economia globalizada é apenas mais história a ser contada.

Maurício Santoro disse...

Salve, Mário.

Para o leitor brasileiro, surpreende o pragmatismo dos comunistas chineses com relação a seus colegas no Brasil. Uma das minhas frases favoritas do livro é a declaração de um dirigente partidário defendendo as reformas econômicas: "Somos o Partido Comunista e nós decidimos o que é o comunismo".

Caro Marcelo,

É mais no sentido de que o modelo autoritário chinês favorece a corrupção, porque não há imprensa livre e judiciário autônomo para servir de contrapeso ao Partido, e seus membros só são julgados pelos tribunais comuns caso sejam condenados previamente nas instâncias partidárias. É barra pesada...

brunomlopes disse...

Salve mestre,

sempre estou por aqui, mas não é sempre que tenho um comentário.

A Revolução Soviética durou 72 anos, ainda faltam alguns anos para o PC Chinês poder bater no peito e falar que realmente se saiu melhor que o PC URSS.

Minha previsão (é claro que não estou colocando um centavo na bolsa em função dela): algum problema ambiental muito grave na China deve acontecer nos próximos anos. Pense na BP do Golfo do México, mas em "escala chinesa", com impacto na população. Ele pode ser mais um fator a levar a sociedade chinesa a um novo impasse, no estilo de 1989. A democracia é uma das alternativas, mas não a única.

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

É verdade, muita coisa ruim pode acontecer na China. Mas o crescimento econômico é realmente notável, ainda que a gente possa fazer uma analogia com a conquista do status de superpotência pela URSS, sobretudo nas décadas de 1940-50.

abraços