quarta-feira, 25 de maio de 2011

Europa: a geopolítica do medo



Ontem conversava com meu amigo Bruno Borges sobre o excelente livro "As Consequências Morais do Desenvolvimento Econômico", do economista de Harvard Benjamin Friedman, e observamos como ele pode ser aplicado à União Européia de hoje, para entender a crise que ameaça vários aspectos do processo de integração regional.

O argumento de Friedman é que o crescimento continuado da economia cria um ambiente de cooperação política que favorece o aprofundamento da democracia, inclusive em suas iniciativas mais controversas, como políticas de ação afirmativa. Períodos de declínio da renda, por outro lado, quase sempre provocam retrocessos no campo democrático, embora isso não seja universal - o New Deal, por exemplo, foi uma resposta à Grande Depressão da década de 1930.

A Europa Ocidental enfrenta décadas de baixo crescimento econômico, com a persistência de taxas de desemprego de dois dígitos, mesmo em momentos de maior prosperidade. Tensões envolvendo grupos marginalizados, como imigrantes da África e da Ásia, explodem em conflitos violentos como a revolta dos jovens das periferias francesas ou o envolvimento de britânicos filhos de imigrantes em atentados terroristas cometidos no Reino Unido.

A crise que começou em 2007 apenas agravou tais tendências preocupantes, com consequências negativas para o processo de integração, como a situação da dívida pública nos PIIGS e o risco, mesmo que remoto, que esses países deixem a zona do euro, pela impossibilidade em desvalorizarem a moeda para tornar suas exportações mais competitivas e tentarem lidar com seus problemas econômicos. Na política, ascendem os partidos de extrema-direita, crescem as ações contra imigrantes e discutem-se limitações ao próprio Acordo Shengen, de liberdade de movimento dentro das fronteiras européias.

A atual liderança da União Européia já não tem a experiência pessoal de ter vivido a Segunda Guerra Mundial e a Depressão, acontecimentos traumáticos que ajudaram a firmar o compromisso com a paz e a integração, abrindo mão de perspectivas nacionalistas mais estreitas.

Como afirma o cientista político francês Dominique Moisi, a Europa vive sob a "geopolítica do medo" (do declínio econômico, do terrorismo), ao passo que China e Índia experimentam momento balizado pela esperança, e nos países árabes (ao menos até a eclosão de suas revoltas democráticas, em janeiro) predomina a vivência da humilhação.

A integração européia já passou por crises semelhantes, como a "euroesclerose" da década de 1970, para não falar do cataclisma das décadas de 1930-40. As propostas de restringir a imigração são inviáveis diante da situação demográfica, com países como a Itália encolhendo em termos de habitantes, e populações muito envelhecidas em todo o continente. Manifestações nascentes como as dos jovens espanhóis e portugueses talvez sejam o início de uma mobilização que aponte outro caminho.

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