quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sombras na Transição



A questão atual no Egito é saber se as Forças Armadas aceitarão implementar as reformas democráticas ou se usarão seu controle sobre o processo de transição para criar obstáculos às demandas dos manifestantes que derrubaram Mubarak. As medidas iniciais da junta militar que assumiu o controle do país mostram o desejo do Exército em frear o ritmo da participação popular e os especialistas têm se mostrados céticos com o compromisso democrático dos militares em, por exemplo, investigar violações de direitos humanos e combater a corrupção dos aliados de Mubarak. Na Tunísia, a transição tem se mostrado difícil, pela permanência em posições de poder de muitos quadros do regime autoritário.

A junta é presidida pelo marechal Mohammed Tantawi, o ministro da Defesa de Mubarak, e considerado ainda mais conservador do que o ditador deposto. Ele se opôs inclusive à abertura econômica que o regime promoveu na última década. Os primeiros atos da junta foram ordenar aos manifestantes que deixem a Praça Tahrir, fechar o Parlamento e abolir a Constituição. Embora fossem instituições do antigo regime, sua exclusão elimina os freios formais à ação das Forças Armadas, o que é preocupante.

Os militares prometem criar comitês com a participação da oposição para elaborar uma nova constituição e realizar eleições em breve. Com votações previstas para setembro, é questionável a necessidade de abolir tantas leis de uma só vez. O melhor seria deixar que um novo parlamento elaborasse a nova carta magna do Egito. O roteiro apresenta semelhanças perturbadoras com a narrativa clássica dos golpes militares na América Latina, embora as Forças Armadas egípcias desfrutem de um forte prestígio junto à população, mantido inclusive ao não reprimirem as manifestações populares.

Outro fator que fortalece os militares é serem, para os Estados Unidos, Israel e União Européia, os grandes fiadores da transição. Aqueles capazes de manter o tratado de paz de Camp David, conter os radicais islâmicos e garantir a estabilidade do país. Isso leva a crer que o governo egípcio irá receber generosa ajuda econômica para lidar com os graves problemas que enfrenta: alta do preço dos alimentos, desemprego, queda no turismo.

Contudo, os manifestantes egípcios têm demonstrado extraordinária capacidade de mobilização, organização e pressão e tais qualidades serão decisivas para garantir que a transição democrática se efetive e que o Egito realize em breve eleições que garantam um governo com legitimidade para implementar as reformas. Atenção às ruas do Cairo, porque o jogo continua.

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