quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Juventude, Democracia e Desenvolvimento



As revoltas democráticas iniciadas pela juventude nos países árabes iluminam tendências comuns demonstradas pela participação juvenil em outros protestos, como os que ocorrem na União Européia, em meio à crise econômica. Também notei semelhanças com o que observei quando pesquisei movimentos sociais juvenis na América do Sul. Os pontos principais: a juventude sente com mais intensidade as linhas de choque da economia global, como o desemprego, as deficiências do sistema de educação e a exposição às novas tecnologias da informação.

Na pesquisa que realizamos na América do Sul, as demandas mais frequentes dos jovens eram por trabalho e educação. Ou mais especificamente, por um emprego estável, de boa qualidade, diferente das ocupações precarárias em geral disponíveis para a juventude. No caso educacional, tratam-se de jovens com bem mais instrução do que seus pais, mas insatisfeitos com a qualidade baixa das escolas e universidades, e com a incapacidade dessa formação extra lhes render uma boa situação no mercado de trabalho.



São condições muito parecidas com as que existem no Egito e na Tunísia, onde o índice de desemprego juvenil está entre 25%-33%, mas não é um problema exclusivo do mundo em desenvolvimento. O gráfico acima mostra como a questão está presente nos países ricos, membros da OCDE. Em geral, o desemprego entre os jovens é o dobro, triplo ou mesmo quádruplo daquele registrado para os adultos. Notem que em países como a Espanha, a taxa é inclusive maior do que a das nações árabes.

A juventude européia é bem qualificada e educada, mas isso não tem sido suficiente para resolver o problema do emprego precário e de baixa remuneração. Na Itália se fala da "geração mil euros", que não consegue ultrapassar essa faixa de renda e continua vivendo com os pais mesmo depois dos 30 anos. Em Portugal o patamar é inferior, a "geração dos 500 euros" que tem seu hino na canção satírica do vídeo abaixo - que me foi gentilmente enviada por meu amigo Ramon Blanco de Freitas, que cursa o doutorado em Relações Internacionais na Universidade de Coimbra:



A instatisfação da juventude européia tem resultado em protestos, como as greves gerais na França e as ocupações universitárias no Reino Unido. Na América do Sul, os jovens têm sido atores importantes nos movimentos sociais que ganharam força na região. Ao contrário dos países árabes, nesses dois continentes há estruturas de participação política democrática (ainda que bastante falhas), que canalizam a raiva e a frustração. Naturalmente, é preocupante o crescimento da extrema-direita na Europa e a persistência de bolsões de autoritarismo na América do Sul, mas o quadro atual é muito melhor do que o passado sombrio dos dois continentes, como os regimes nazi-fascistas europeus das décadas de 1920-40 e as ditaduras militares sul-americanas dos anos 1960-80.

Outro ponto comum é o fascínio dos jovens com as novas tecnologias de informação. Observamos isso na pesquisa na América do Sul e me supreendi em como, por exemplo, os músicos do hip-hop indígena na Bolívia usavam a Internet para se articularem com artistas de tendência semelhante em diversos países. No Egito, os manifestantes da praça Tahrir ensinaram ao mundo inteiro como usar essas ferramentas para organizar protestos, denunciar abusos governamentais e cultivar a imagem internacional pacífica do movimento.



Há uma particularidade importante no mundo árabe, que é a deficiência das mídias tradicionais. O Egito possui meios de comunicação privados, que tentam conquistar espaço para criticar o regime ditatorial. Outros países possuem uma situação mais complexa. Nesse contexto, aumenta a importância de tecnologias de informação que permitam aos usuários gerar e compartilhar notícias, imagens e dados. Há também o caso muito especial da Al-Jazeera, a rede de TV sediada no Catar que tem realizado a melhor cobertura das revoltas democráticas árabes. Por reunir profissionais de várias nacionalidades e buscar uma perspectiva ampla, é possível que ela esteja contribuindo para o fortalecimento de uma identidade regional, pan-árabe.

8 comentários:

marcelo l. disse...

Prezado Mauricio.

Não sei se conhece o documentário, mas é muito bom a luta pela democracia no Egito.

http://www.youtube.com/watch?v=Kb4bjOw88Rg

Maurício Santoro disse...

Caro Marcelo,

Obrigado pelo link. Uma amiga brasileira que estava no Egito tem me passado vídeos excelentes e pretendo inclusive usá-los em sala de aula, num curso sobre transições democráticas que devo lecionar no segundo semestre.

abraços

Anônimo disse...

oi, santoro,

o ditador não deixará o poder e passou o poder pro sheik-altortura, como é elogiado em praça pública pelos manifestantes.

seu vice, aliás ex-chefe dos serviços de segurança, mandou o povo pra casa dormir pra trabalhar amanhã que ele vai fazer a transição democrática bem direitinho. uma flor de pessoa.

o povo vai atender? duvi dê-ó-dó, professor. longe de mim rogar praga, mas essa mudança deverá ter a participação das forças armadas e, em cosequência, como de hábito, o aumento na fabricação de mártires. uma pena.

abçs

carlos anselmo-fort-ce

Maurício Santoro disse...

Salve, Carlos.

Pois é, acabo de ver as notícias na TV, e a moral da história é o fortalecimento dos militares como os fiadores do processo de transição. Amanhã escrevo sobre isso.

Abraços

Israel disse...

Muito bom, parabéns pelo texto meu caro.

Realmente Al-Jazeera tá realizando um ótimo trabalho.

Abs

Maurício Santoro disse...

Salve, Israel.

É a melhor cobertura da crise. Imagino o orgulho dos profissionais que nela trabalham!

abraços

Anônimo disse...

salve, salve, santoro!!!

parabéns, professor, pela simbologia. acertou na mosca e me emocionou pra caramba.

até agora meus temores do post anterior estão infundados. talvez paranóicos, uma vez que o estamento militar egípcio detém cerca de trinta por cento do pib do país. vão largar o filé, hein?

enquanto isso, comemoremos!
abçs

ps: a aljazeera continua matando a pau. que beleza de cobertura, aliás, "multiétnica", né não?

abçs

carlos anselmo-fort-ce

Maurício Santoro disse...

Salve, Carlos.

Pois é, as Forças Armadas estão profundamente imbricadas na estrutura econômica do Egito, inclusive uma das razões para o longo serviço militar obrigatório (3 anos) é fornecer mão-de-obra para fábricas e empresas administradas pelas Forças Armadas.

abraços