segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Rebelião na Tunísia e Democracia no Mundo Árabe



O acontecimento político mais importante do mês de janeiro foi a revolta popular na Tunísia, que derrubou a ditadura de um quarto de século de Ben Ali e instalou um governo provisório que pode, se as coisas correrem bem, transformar o país numa democracia. Seria o primeiro movimento desse tipo no mundo árabe e um precedente perigoso para os regimes autoritários no Norte da África e no Oriente Médio.

A Tunísia é um país bastante próspero para os padrões árabes. Cerca de um terço da população pode ser considerado de classe média, a renda per capita é o dobro daquela registrada no Egito e o crescimento econômico era exatamente um dos pilares da ditadura de Ben Ali, junto com sua repressão implacável aos fundamentalistas islâmicos.

O regime era considerado muito estável, mas agora está claro que suas fissuras foram subestimadas. A mais importante delas era a insuficiência do nível de desenvolvimento econômico em suprir as expectativas de uma população cada vez mais educada, sobretudo entre os mais jovens.

O estopim da crise foi a tragédia de Mohamed Bouazizi. O rapaz havia se formado na universidade, mas sem emprego teve que trabalhar como vendedor de rua. Quando autoridades corruptas confiscaram sua barraca, sua angústia foi tão grande que ele se suicidou em plena rua, colocando fogo ao próprio corpo. Muitos se identificaram com seu sofrimento e ele virou um símbolo para as injustiças do país, inclusive para a rede de corrupção que ia da família Ben Ali aos funcionários mais subalternos do Estado.

Embora Ben Ali fosse militar, em seu longo governo o Exército foi reduzido a um papel secundário e a polícia política ganhou proeminência. As Forças Armdas se vingaram recusando proteção ao ditador em meio às grandes mobilizações populares que derrubaram seu regime. As novas mídias foram importantes, das transmissões da Al-Jazeera às redes sociais da Internet.

Reza a crônica de 1789 que quando foi avisado da queda da Bastilha, Luís XVI perguntou se era uma rebelião. O nobre que o alertou respondeu: “Não, sire, é uma revolução.” Ainda não está claro se os acontecimentos na Tunísia resultarão na transformação estrutural do país, mas os ditadores árabes estão assustados, em especial na Argélia e no Egito, os países cuja situação social mais se parece com a tunisiana.

3 comentários:

Thiago Quintella de Mattos disse...

Da apoteose em terminar um curso universitário à decepção de ter que ser um empregado informal. Isso constrói um lio direto com a situação dos formandos, formados e empregados no Brasil.Ainda há um amadorismo empregatício ululante no Brasil, para trabalhar nos setores públicos bem como nos privados. Mas voltando ao tunisiano, dentro daquela decepção, nos limites de sua aceitação da desventura, sofre mais uma violência do estado, e sua barraca, sem meio de vida, da vida que não queria, é arrancado. Que reação esperar disso? Que história a Tunísia passou nesses último 30 anos para culminar neste ato! O que era o bom - a graduação, o estudo - virou sua causa de morte. Isto é um alerta para nós aqui também, de Latinoamerica!

Thiago Quintella de Mattos disse...

Lembrei o nome do filme que queria te sugerir. Povoado Number One (Bled Number One).Argelino. No festival do SESC de cinema francófono eu fiz uma palestra sobre este filme após sua exibição. É muito interessante, e em dialeto entre o francês e o árabe, muito bom. "Povoado", é um eufemismo, pois bled tem o significado de quase inferno!
http://www.cinefrance.com.br/cinemateca/cinema/titulos/?filme=1450

Maurício Santoro disse...

Salve, Thiago.

Pois é, não por acaso a OIT acaba de divulgar os números do desemprego recorde no mundo, chamando a atenção para o crescimento da vulnerabilidade do trabalho na América Latina.

O Brasil é exceção, o país está quase na taxa de pleno emprego, mas acredito que o contraste explica muito entre a moderação da política brasileira e o tom mais estridente de alguns dos países vizinhos...

Obrigado pela indicação do filme.

Abraços