quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A Derrota de Obama



Nas eleições de meio de mandato realizadas ontem nos EUA, os Republicanos reconquistaram a maioria na Câmara dos Deputados e venceram os democratas em 10 estados, principalmente no Meio Oeste e no Sul, passando a ter maioria dos governos estaduais. O Movimento do Chá, em sua estréia eleitoral, elegeu dois senadores (Flórida e Kentucky) e uma governadora (Carolina do Sul), mas seus candidatos mais expressivos (como Christine O´Donnell) sofreram derrotas no Nordeste, reforçando as dúvidas sobre sua viabilidade em atrair os moderados. No geral, foi uma vitória expressiva da oposição e um claro recado de descontentamento da população americana para o presidente Obama e os Democratas, com foco na rejeição ao modo como conduzem a economia e também como crítica à sua reforma da saúde.

Comecemos pela economia. Obama implementou grandes pacotes de ajuda governamental para o setor financeiro e para a indústria automobilística. É verossímil apostar que tais medidas impediram uma catástrofe ainda maior, mas os benefícios para as pessoas comuns foram muito reduzidos. O gráfico abaixo mostra que, mesmo diante da lenta recuperação do crescimento, a taxa de desemprego continua praticamente a mesma. Desempenho muito inferior a crises anteriores. Em torno de 10%, cerca do dobro do que é habitual nos Estados Unidos. Algumas pesquisas mais recentes que analisei afirmam que há 6 candidatos para cada nova vaga de emprego aberta no país, evidentemente isso é um terrível golpe na perspectiva da maioria voltar a ter um mínimo de segurança e estabilidade.



A reforma na saúde foi a mais importante iniciativa governamental na área social desde a década de 1960, mas ainda assim teve falhas sérias. Ponto principal: o Estado obriga os cidadãos a ter seguros privados, mais ou menos subsidiados conforme faixa de renda. Mas diante de tantas falhas nos mecanismos de regulação, quem garante que as empresas privadas de saúde irão atender com eficácia aos novos consumidores? Ser forçado a fazer algo com boas chances de dar errado não torna ninguém fã do presidente, de modo compreensível. Também há muito ressentimento com o modo como os Democratas aproveitaram sua maioria legislativa para aprovar a reforma sem participação dos Republicanos. A exclusão de uma oposição que representa parcela significativa da população foi controversa, e acabou se mostrando um erro sério para Obama.

A derrota de ontem é um revés importante para o presidente. Naturalmente, em dois anos é possível reverter o quadro e se reeleger: Clinton fez exatamente isso entre 1994 e 1996, amparado pelo ótimo desempenho da economia. Mas diante da persistência da crise, e das guerras sem fim na Ásia, a situação de Obama é bem mais complicada. Sua melhor chance está nos conflitos internos entre os Republicanos, em particular as disputas entre os moderados e o Movimento do Chá.

3 comentários:

Mário Machado disse...

Boa análise Maurício, as usual, muitos insistem numa análise simplista e por vezes mal intencionada de dizer que a oposição é feita "pelo homem branco raivoso". Isso por que há um objetivo claro nessa definição.

Creio que muito pesou nessa vitória do GOP o mantra "fire Nancy Pelosi" que é grande responsável pelo rolo compressor no congresso que vc menciona.

Sem ter que conceder a Pelosi é possível que Obama possa ir para o centro o que pode salvar suas chances em 2012.

Abs,

Flavio Faria disse...

Ainda lembro quando Obama foi eleito presidente. O "fato histórico" do primeiro presidente negro do país; como se a cor do indivíduo fosse o ponto mais importante de sua política. Que isso sirva de exemplo para os brasileiros, que andam entusiasmados com a primeira mulher na presidência do Brasil.

A reforma de saúde do Obama é um atentado contra as liberdades individuais de todos os americanos. Mas acho que ela merece respeito, pois representa um início para reformar o caótico sistema de saúde americano; tentativa que Hillary tentou fazer no governo Clinton e falhou. Espero que no futuro ela seja melhor elaborada e eficaz para os americanos, talvez até com a participação mais ativa dos republicanos.

Maurício Santoro disse...

Salve, Mário.

Ontem vi na Globonews o ex-embaixador Abdenur dizer exatamente isso, o quanto a Pelosi prejudicou Obama. Acredito que a saída dela do cargo de presidente da Câmara acabará por beneficiar o governo.

Salve, Flávio.

Na teoria política contemporânea às vezes se fala da "política da presença", que ocorre simplesmente em função de características como etnia, gênero etc.

Não é trivial o fato de Obama ser negro. Não se trata apenas da cor da pele, mas de algo profundamente importante diante do movimento dos direitos civis e das injustiças históricas às quais os negros foram submetidos nos EUA. A questão racial, pelo menos até meados da década de 1960, era o que marcava a distância entre ideal e realidade na democracia americana.

Símbolos são importantes na política, mas é preciso ir além deles para deixar uma marca, e até agora Obama não conseguiu encontrar um rumo para alcançar essa meta.

abraços