quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Mais Dinheiro do que Deus



Sebastian Mallaby é um jornalista veterano que trabalha no Conselho de Relações Exteriores dos EUA, após anos cobrindo finanças para o "Washington Post" e a "Economist". Seu novo livro, "More Money than God: hedge funds and the making of a new elite" é não apenas uma excelente história desse tipo de aplicação financeira, mas também um ótimo apanhado das transformações na economia internacional nos últimos 30 anos. Embora Mallabay defenda a posição ideológica de que os fundos hedge corrigem desequilíbrios de mercado ao ajustar preços distorcidos, seu relato com frequência os mostra fazendo o contrário.

O que define os fundos hedge não é o tipo de negócio que realizam (com ações, títulos da dívida pública, mercado de futuros, swaps etc), mas a maneira como operam. Mallaby cita quatro características básicas: alta bonificação por desempenho (em torno de 25% dos lucros), estimulando a ousadia dos analistas; esforço em evitar a burocracia regulatória; uso intenso da alavancagem (investir muito mais dinheiro do que possuem, por meio de empréstimos) e realização de short selling, isto é, tomar emprestadas ações de outros investidores, vendê-las na expectativa de que seu preço caia, e comprá-las com lucro. Os fundos hedge sempre foram visto com desconfiança, só aumentada devido a seus retornos extraordinários, muito acima dos índices habituais da bolsa de valores.

O perfil bem mais arrojado do que o normal em Wall Streeet em, digamos, um banco de investimentos atraiu para os fundos hedge uma fauna exótica e diversificada, desde o criador do primeiro deles, na década de 1950. Alfred Jones era um ex-diplomata que se tornou um ativista clandestino da esquerda marxista na conturbada Europa dos anos 30, e se voltou ao mercado financeiro em busca de dinheiro para financiar seus gostos caros. Mallaby narra sua história e de seus sucessores, mostrando as inovações que introduziram ao longo dos anos, e como elas refletem as transformações na economia global.



Os primeiros fundos hedge surgiram numa época em que o mercado financeiro ainda era muito regulado. Com a liberalização progessiva a partir dos anos 70, e o fim do sistema de câmbios fixos de Bretton Woods, surgiram imensas oportunidades. George Soros (foto acima) foi um dos mais habilidosos em explorá-las, em particular apostando nos erros macroeconômicos dos governos, em suas dificuldades de lidar com a oscilação cambial (como sua célebre aposta na desvalorização da libra britânica diante das exigências do Sistema Monetário Europeu) e com a ineficácia do banco central americano em combater simultaneamente a inflação e o desemprego nas décadas de 1970-80.

Contudo, a economia global é complexa demais para ser entendida por uma só pessoa, quanto mais para ser manipulada. Mallaby narra com eloquência como Soros, com todo seu talento, falhou miseravelmente na Rússia, inclusive pelos obstáculos em conciliar seus investimentos (e a análise da iminente crise do governo) com seus ambiciosos projetos filantrópicos - em uma definição antológica, o autor o define como "o único indíviduo com uma política externa." Outro mago dos fundos hege, Julian Robertson, fez fortunas nos EUA, mas percebeu suas limitações ao se deparar com a sutileza da economia política da Europa, e suas profundas interconexões entre Estado, sindicatos, relações internacionais e os indicadores clássicos.

Se os primeiros administradores de fundos heges apostavam numa combinação intricada de informação privilegiada, capacidade de análise e intuição, novas gerações como as de Jim Simmons e David Shaw passaram a usar ferramentas como modelos matemáticos e econométricos, recrutando especialistas das universidades, da informática e até do Pentágono para identificar padrões de alta e queda em commodities e no mercado de ações. A história fascina, mas também assusta, pois o nível de abstração é tão elevado que faz com que nos perguntemos qual a conexão com a economia real, dos fatos concretos.

Fundos hedge fazem parte da área conhecida como "shadow banking", não regulada pelos acordos convencionais, como os de Basiléia. Mallaby argumenta que por seu caráter inovador e sempre em transformação, é muito difícil conduzi-los para a supervisão governamental, e aponta o papel estabilizador que vários deles (como o Citadel) exerceram na crise atual, enquanto ruiam instituições tradicionais, como o banco Lehman Brothers.

Contudo, a saga narrada por Mallaby é a de uma economia global cada vez mais complexa, em cujas contradições e assimetrias de informação existe espaços para ganhos fabulosos. Os mais hábeis administradores de fundos que ele descreve foram pessoas que souberam perceber e interpretar essas mudanças, mas que tiveram pouca capacidade de influenciar o ritmo e direção dessas transformações, para o bem ou para o mal. É possível que especular que o jogo ficará ainda mais complicado quando começarem a entrar em cena fundos hedge das grandes nações emergentes, como China e Índia.

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