quarta-feira, 26 de maio de 2010

A Guinada da Turquia



Meses atrás, eu acompanhava a serviço do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior um seminário sobre internacionalização de empresas dos países BRICs. Um dos acadêmicos mais interessantes que conheci no evento foi um pesquisador turco. Por acaso, na ocasião eu lia um romance do mais famoso escritor da Turquia, Orhan Pamuk, e tivemos uma ótima conversa e me chamou a atenção seu interesse pela política externa brasileira e pelas perspectivas econômicas da África. De modo que a recente parceria de alto nível entre Brasília e Ancara não é surpresa, se insere no contexto dessas transformações. O primeiro-ministro Recep Erdogan (foto) chega nesta quarta ao Brasil, acompanhado de seu chanceler e de outras autoridades para uma visita de três dias.

Já há alguns anos os analistas internacionais têm observado que o Brasil se destaca como interlocutor importantes em certos temas globais, como comércio e meio ambiente, e agora começa a fazê-lo também no Oriente Médio. A Turquia passa por outro tipo de transformação: de sólido aliado do Ocidente desde o início da Guerra Fria, tem adquirido maior autonomia diplomática e adotado uma visão política muito mais voltada para os países muçulmanos.

Há duas razões principais para a guinada. A primeira é a rejeição do núcleo duro da União Européia, França e Alemanha, ao pleito da Turquia em integrar a organização. Sarkozy a classificou como um “país da Ásia Menor” e Merkel foi apenas um pouco menos rude. Há diversas pendências que dificultam sua adesão à UE: violações de direitos humanos, persistência da pena de morte, não-reconhecimento do governo de Chipre, menor nível de desenvolvimento econômico (embora não tão distinto das nações mais pobres da União Européia, como Bulgária e Romênia). Mas é claro que pesa a questão religiosa, embora o Estado turco seja orgulhosamente laico, o que causa constantes tensões com os crescentes movimentos islâmicos do país.

O segundo motivo são as catastróficas turbulências no Oriente Médio e Ásia Meridional, desde 2001. Guerras no Afeganistão, Faixa de Gaza, Líbano e Iraque, as tensões com o Irã e a instabilidade no Paquistão. A Turquia tem adotado papel de destaque na moderação de conflitos regionais e que chama de “política de zero problemas” com os vizinhos, inclusive dialogando efetivamente com antigos antagonistas, como Rússia e Síria.

É uma política externa inteligente, bem executada e que merece maior atenção dos brasileiros. Seu principal mentor é o cientista político Ahmet Davutoglu, um intelectual brilhante, comparado a Henry Kissinger, que assumiu em 2009 o posto de ministro das Relações Exteriores, embora já tivesse ocupado outros altos cargos.

A diplomacia turca tem causado perplexidade e preocupação nos EUA e na União Européia, como pode comprovar quem lê a imprensa e os relatórios de pesquisa dos institutos dessas regiões. Na própria opinião turca, evidentemente, há vários analistas que preferem uma política externa mais próxima aos aliados tradicionais e temem os impactos da guinada para os vizinhos no Oriente Médio.

A revista Foreign Affairs publicou uma lista muito interessante com sugestões de leituras sobre a Turquia. Vou encomendar alguns desses livros, até como um aperitivo para me preparar para uma viagem ao país, que planejo conhecer em minhas próximas férias.

7 comentários:

carlos disse...

salve, santoro,

seu post demonstra uma das razões que me fazem entusiasta da blogosfera frente a mídia tradicional. dificilmente se lê hoje uma coluna internacional cotextualizada no conhecimento histórico, no máximo "neguim" se vale do google ou da wikipédia.

a propósito, vale a pena ir no http://www.viomundo.com.br/ de hoje, e acessar o artigo do correspondente do the guardian no oriente médio, robert fisk, "o jornalismo e as palavras do poder". tudo a ver com a velha senhora história, tão maltrada no dia a dia de nossa mídia.

abçs

abçs

Rafael disse...

Também li "Neve", e mesmo se fosse só pelo conhecimento da história fascinante de Kars, já teria valido a pena. A sacada de uma revolução acontecer no palco de um teatro também é boa; a linha que separa atuação política e interpretação cênica pode ser bem imprecisa.

O Pamuk deu uma entrevista esta semana para a Folha: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/739443-leia-entrevista-exclusiva-com-o-escritor-orhan-pamuk.shtml

Maurício Santoro disse...

Salve, Carlos.

Digamos que muito do impulso deste blog vem da insatisfação com a cobertura tradicional da mídia :-)

O mundo é mais interessante do que em geral nos contam.

Caro Rafael,

Obrigado pela referência da entrevista, ainda não tinha lido. O Pamuk é ótimo, o livro dele sobre Istambul é sensacional.

Abraços

daniel disse...

Excelente, Santoro. E valeu pelo link dos livros na FA, simplesmente demais!

Abs.

Maurício Santoro disse...

Disponha!

A Globonews exibiu uma reportagem muito boa sobre as relações econômicas entre Brasil e Turquia, feita pelo jornalista Ricardo Lessa.

Abraços

Glaucia Mara disse...

Eu sempre tive uma desconfiança terrivel sobre a midia em geral, mas nao sabia muito bem como descrever isso. Acabei de achar a frase perfeita: "O mundo é muito mais interessante do que nos contam".
Gracias, num dia como hoje em que ainda estou atordoada com as imagens do ataque israeli precisava de algum consolo como esse.

Maurício Santoro disse...

Salve, Glaucia.

Como diria o Evangelho, perdoai-os, porque eles não sabem o que dizem....

Abraços