quarta-feira, 12 de maio de 2010

Debatendo o Irã



Ontem estive em Brasília. A Câmara dos Deputados me convidou para debater as relações entre Brasil e Irã e participei de um debate ao vivo no programa Expressão Nacional, da TV Câmara. Discuti o assunto com deputados do PT e do PSDB, e um com um diplomata que assessora o presidente Lula. O gancho da conversa foi, claro, a visita do chefe de Estado ao Oriente Médio e as controvérsias despertadas pela iniciativa brasileira de tentar o diálogo com o mandatário iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.

(Em breve o vídeo do programa estará disponível no site da Câmara, e colocarei o link por aqui)

O argumento do governo é que o isolamento do Irã aumentaria os riscos à paz e que é preciso manter espaços abertos à negociação, para chegar a uma solução pacífica com respeito ao programa nuclear iraniano. As autoridades brasileiras avaliam experiências anteriores com sanções, como as adotadas contra Iraque e Cuba, não funcionam. Defendem a não-intervenção nos assuntos internos da República Islâmica, como a repressão aos movimentos democráticos, mas se dispuseram a intermediar diálogos entre Teerã e os bahai´s, uma minoria religiosa bastante perseguida, desde os tempos da monarquia. O governo brasileiro afirma que a tradição diplomática nacional, de defesa da paz e da conciliação, fornece ao país credenciais sólidas para mediar conflitos no Oriente Médio.

A oposição alega que a proximidade com o Irã desgasta a imagem internacional do Brasil, devido às polêmicas envolvendo o programa nuclear iraniano, o apoio de Teerã a grupos terroristas (Hamas, Hezbolá) e às repetidas manifestações de racismo e violações de direitos humanos pelo governo do país. Citam reportagens recentes publicadas no jornal The Washington Post e na revista Der Spiegel, que criticam o Brasil, respectivamente, como "idiota útil" e insinuam que o apoio ao Irã pode esconder objetivos bélicos, de desenvolver armas nucleares.

Boa parte do debate seguiu a linha de discutir as contradições na política de não-proliferação nuclear dos Estados Unidos, com a oposição ao Irã e à Coréia do Norte mas, apoio a Israel, Índia e Paquistão. Faltou tempo para que eu falasse um pouco sobre o panorama da política externa brasileira no Oriente Médio: a visita do presidente Lula a Israel, a ratificação do acordo de livre comércio entre esse país e o Mercosul, esforços por receber refugiados palestinos, resgate de brasileiros que vivem no Líbano (durante a invasão israelense) e conferências de cúpula entre a América do Sul e a Liga Árabe.

A Turquia desponta como uma parceira interessante, em particular neste momento das controvérsias sobre o Irã. Os dois países fazem fronteira, compartilham o problema da minoria curda, e mantém um intenso comércio. O governo turco também se opõe a novas sanções contra o Irã e assim como o Brasil, atualmente ocupa uma vaga no Conselho de Segurança da ONU.

A Ásia é o continente com o qual o Brasil tem o maior comércio. Em grande medida isso se deve à ascensão da China, mas o rápido crescimento do intercâmbio com os países do Oriente Médio também é importante. O Irã, por exemplo, já é o segundo maior comprador de carne brasileira. Acredito que a região continuará a ser bastante relevante para o Brasil, embora os próximos governos possam alterar vários pontos da agenda diplomática com os países locais, em especial as tentativas de negociação com o Irã e no conflito árabe-isralense.

No entanto, a sociedade brasileira conhece pouco a região. Faltam especialistas em todas as partes: no governo, na universidade, na imprensa. Mais do que em outros debates sobre política internacional, prevalecem opiniões simplistas e extremadas, que se destacam pelo parco conhecimento sobre a história e cultura dos povos e Estados do Oriente Médio.

5 comentários:

carlos disse...

salve, santoro,

assisti o programa da tv câmara, por sinal, muito bem conduzido pelo jornalista entrevistador.

o professor fez muito bem em ilustrar a discussão com o olhar da academis de forma coloquial e de viéis histórico-contemporâneo. o representante do itamaraty demonstrou a justeza do protagonismo do brasil em suas relações internacionais da qual concordo e apoio.

o componente emocional do programa foi o do deputado do pt, principalmente, quando defende a indepência de nossa diplomaci.

cá, pra nós, aquele deputado do psdb, infelizmente, foi porta-voz daqueles diplomatas aposentados que são figuras carimbadas dos programas da gnt.

espero assisti-lo em outros programas, professor,

parabéns

brunomlopes disse...

Os dois compartilham o problema da minoria curda? Ou a minoria curda compartilha os problemas criados pelos dois?

Mas falando do assunto principal do post: só vejo as pessoas reclamando da ˜bomba no porão" de Israel quando são discutidas sanções ao Irã. É um argumento torto, na linha de "O Irã precisa desenvolver um programa nuclear 101% pacífico porque Israel tem sua própria bomba".

Todo esse debate é falso e cheio de meias-verdades, mas o principal objetivo de todas as pessoas sensatas deveria ser o desarmamento nuclear de TODO o Oriente Médio - incluindo Israel, Irã e quem mais aparecer na festa. Negociações isoladas com o Irã não vão funcionar - o país tem um misto de medo e ódio de Israel.

Do jeito que a coisa está, a atitude sensata para Irã ou Israel é se armar, produzir armas nucleares ou mesmo partir para um confronto mais aberto.

Maurício Santoro disse...

Salve, Carlos.

Que bom que você gostou do programa. Fiquei impressionado pela paixão da discussão.

Olá, Bruno.

Bem, os curdos são um problema da perspectiva dos Estados estabelecidos. Do ponto de vista curdo, o Irã e a Turquia é que são os problemas...

O sentimento anti-Israel é, obviamente, muito forte no Oriente Médio e é bastante difícil imaginar uma solução que envolva o desarmamento do país.

Além disso, há outros casos de aliados americanos que desenvolveram armas atômicas, como Índia e Paquistão, o que também enfraquece a posição pró-desarmamento.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Parabéns por participar no programa e em discussões no Congresso.
Sim, todo o Oriente Medio deveria se desarmar. Mas, ja savemos cómo é a história: como meninos. "Mamá, foi ele o primeiro". "Não, mentira".
Beijos

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro,

Pois é, conhecemos a história. E estava conversando com um dos meus amigos argentinos sobre a questão do Irã em seu país, com os atentados contra a AMIA e a embaixada de Israel. Esse é um tema importante que o Brasil não deveria abandonar.

Abraços