quarta-feira, 11 de março de 2009

Uma Relação Sempre Delicada


Os cadernos econômicos dos jornais trazem muitas notícias sobre as negociações comerciais entre Argentina e Brasil, com as tensões decorrentes da crise econômica internacional afetando setores importantes como têxteis e os eletrodomésticos da linha branca. Para além da conjuntura, há uma questão de fundo, sempre recorrente nos diálogos bilaterais: qual o lugar que uma Argentina cuja indústria sofre golpes duros desde a década de 1970 ocupa na relação com um Brasil que logrou criar um núcleo de empresas globais competitivas e eficientes?

Até a década de 1950 a economia argentina era mais rica e desenvolvida. Mas uma série de bem-sucedidas políticas de Estado no Brasil – do Plano de Metas de JK ao II Plano Nacional de Desenvolvimento de Geisel – resultaram num extraordinário crescimento do PIB, com a diversificação da base industrial para bens de capital e setores tecnologicamente avançados, como aviação. No país platino, a economia foi vítima do enorme conflito político, de diversas ditaduras e da guerra das Malvinas. Ambas as nações sofreram no turbilhão hiperinflacionário das décadas de 1980 e 1990, mas o Brasil se recuperou com um remédio menos radical do que o choque de conversibilidade de Menem e Cavallo, e manteve muito de seu aparato desenvolvimentista.

Tudo isso fez diferença na retomada da década de 2000. O crescimento argentino foi impressionante, mas o país passou a ter um grande déficit na balança comercial com o Brasil, seu principal parceiro econômico. Em grande medida isso se deve à expansão internacional das empresas brasileiras, que compraram muitas firmas na nação vizinha, e com as aquisições veio a inserção dos novos ativos em suas cadeias produtivas, e o aumento de importações das matrizes no Brasil.

Desde a crise de 1998-2002, o governo argentino adotou uma série de medidas protecionistas, do aumento de tarifas à imposição de licenças prévias às importações. Muitas dessas iniciativas foram controvérsias, e precisaram ser negociadas com o Brasil com base no que os diplomatas brasileiros chamam de “paciência estratégica”, ou seja, concessões econômicas para o principal sócio do país na América do Sul, uma nação cuja estabilidade política é de interesse fundamental. O ponto mais importante desse diálogo talvez tenha sido a assinatura do Mecanismo de Adaptação Competitiva, que estabelece critérios e mecanismos de consulta mútua antes da imposição de mais barreiras ao comércio.

Era de se esperar que a crise atual tensionasse esse processo, pois além das dificuldades econômicas globais a Argentina passa por turbulências locais expressivas, como o conflito entre governo e agronegócio, a seca que muito prejudica o país e os impactos da desvalorização do Real, que favorece os produtos brasileiros.

Contudo, medidas contra o Brasil provavelmente resultariam apenas em desvio de comércio, com competidores da China e da Índia abocanhando mais um nicho de mercado das combalidas indústrias argentinas.

Nesta semana e na próxima, autoridades e empresários argentinos e brasileiros tentarão chegar a uma solução, culminando com a visita da presidente Cristina à Fiesp, no dia 20. Na pauta, a adoção de restrições voluntárias às exportações brasileiras e ajuda financeira às empresas argentinas.

2 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro amigo:
Muitos, muitos temas pra desenvolver... näo sei ainda onde começar...
Muito boa a descriçäo das histórias paralelas da Argentina e do Brasil desde 1950. O que eu agregaria é o que eu considero um momento central (para mal) da economia argentina: a asunçäo de Martínez de Hoz como ministro de fazenda do Proceso. Pidiu préstamos ao FMI, abriu o mercado as importaçöes de produtos industriais, destruiu o Estado Benfeitor, criou um sistema financeiro; todo pra consiguer, por umos anos, uma sensaçäo de prosperidade, que pronto se viu falsa. Muitos dos acontecimentos posteriores têm sua raiz na "hipoteca" que deixou o famoso tecnôcrata: a guerra das Malvinas foi feita pelo governo militar porque a situaçäo econômica era ruim, os trabalhadores començavam protestar e os militares, entonces, necessitavam "fogos artificiáis" pra distender à populaçäo (além da entrega do Prêmio Nobel da Paz pra o Pérez Esquivel e a acçäo das Madres). A crise do Alfonsín têm a raiz também aqui (endeudamento e desindustrialiaçäo, produtos do governo anterior, além duma infra-estrutura energêtica anticuada) e o Menem o que fez foi, pra dizer assim, saldar a anterior "hipoteca" com uma nova, ainda maior, vendendo as empresas públicas e pidendo préstamos pra consiguer o "1 a 1".
Respeito ao crescimento dos ultimos anos, lamento dizer que a vejo só produto duma melhor política monetária, onde o peso argentino foi devaluado, conseguindo-se uma maior competitividade da indûstria, do turismo (nunca antes täo importante aqui) e do agro, além do melhor précio internacional das exportaçöes agrícolas. A prosperidade dos précios das matérias primas chevou às famosas retençöes, com as quais o Estado fica uma parte delas pra destina-las ao gasto público, onde geralmente há favoritismos pelos gobernadores e intendentes "amigos" do governo (causa da apariçäo dos célebres "radicáis K" e outras deserçöes em partidos mais pequenos).
Näo há grandes programas como no caso do Brasil, ainda näo saimos da conjuntura.
Vejo que falei demasiado. Muito! Ha, ha, ha!
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Dom Patricio,

Acho que vamos passar o resto da vida discutindo Brasil e Argentina (risos) mas realmente há muito assunto em pauta.

Minha própria opinião é que a Argentina poderia ter seguido um outro caminho na década de 1940, quando havia gente muito boa - Raúl Prebisch, Pinedo - propondo rumos alternativos. De forma mais completa e sofisticada do que no Brasil, inclusive.

Abraços