sábado, 7 de fevereiro de 2009

O Sonho Europeu



"O Sonho Europeu - como a visão européia do futuro vem eclipsando silenciosamente o sonho americano", de Jeremy Rifkin, é um livro um tanto mal organizado, mas com duas ou três percepções brilhantes sobre as relações entre Estados Unidos e União Européia, pelo prisma da cultura política. Rifkin é um escritor e consultor americano autor de livros de boa vendagem sobre temas como Meio Ambiente e transformações no mercado de trabalho. Esta obra tem o mérito da coragem: é uma defesa do modo de vida europeu, publicada em pleno fervor patriótico dos anos Bush.

Todos conhecemos o sonho americano - é o do self made man, o desejo de enriquecer por conta do esforço próprio. A ele se soma um segundo componente: a crença na América como a nação escolhida por Deus para realizar o potencial humano. Rifkin está bem informado sobre os dados sociológicos dos últimos 30 anos, que mostram como esse mito se tornou ainda mais difícil de ser concretizado, em função das esigualdades sociais crescentes, da deterioração do sistema de ensino público e dos obstáculos dos trabalhadores com pouca qualificação de encontrarem estalidade no contexto da competição global com suas contrapartes nos países emergentes. O ponto, afirma Rifkin, é que o sonho continua vivo e as frustrações crescentes na economia levam os americanos a se concentrarem no segundo aspecto do mito, a idéia da missão divina. Com as consequências trágicas que vimos no pós-11 de setembro.

O contraste de Rifkin é com o que ele chama de sonho europeu - uma vida tranquila e segura, baseada nos serviços públicos fornecidos pelo Estado de Bem Estar social e pela adesão a uma série de valores como preservação do Meio Ambiente, dos costumes tradicionais, do usufruto do tempo livre para passear, estar com os amigos e a família. Sem dúvida, a Europa Ocidental é a região do planeta onde o maior número de pessoas têm alta qualidade de vida, mas as idéias de Rifkin refletem muito mais a utopia da classe média alta do que a realidade do continente. Todos os exemplos que cita em seu livro vêm de profissionais liberais, e nunca de trabalhadores braçais, de pobres e/ou imigrantes.



Eis meu ponto: será que ainda é possível falar de um sonho europeu? O modelo do Estado de Bem Estar Social do pós-guerra entrou em crise na década de 1970, e embora não tenha acabado, sofreu limitações e questionamentos. Que tendem a se agravar por fatores demográficos (o envelhecimento da população) e pela competição internacional crescente da China e da India. A crise econômica atual talvez indique o retorno de projetos sociais ambiciosos, inclusive no mundo em desenvolvimento.

Rifkin tem uma excelente caracterização da União Européia como algo que não é um Estado, mas uma rede de governança onde se entrelaçam governos nacionais, regiões (Catalunha, Escócia, Sicilia etc), organizações da sociedade civil, empresas... É uma das boas percepeções do livro, mas ele tem uma visão demasiado otimista do suposto compromisso europeu com a diversidade. As tensões raciais, culturais e religiosas da integração dos imigrantes no Velho Mundo são muito grandes. Para Le Pen e cia, o sonho europeu é jogar os argelinos e turcos no Mediterrâneo.

Outro problema é sua caracterização da democracia européia como uma espécie de paraíso pós-material no qual cidadãos esclarecidos bebem suas xícaras de capuccino enquanto discutem como salvar Darfur. Não é bem assim. Estudos recentes apontam para o declínio das redes de confiança e sociabilidade entre os cidadãos, em particular entre os mais pobres. Embora essa queda não seja tão significativa quanto nos Estados Unidos, é algo que precisa ser levado em conta pelos analistas políticos.

Por fim, Rifkin tem uma visão da Europa muito concentrada nos países da região ocidental do continente. Seu livro foi publicado em 2004, e de lá para cá a União Européia quase dobrou de tamanho, com a incorporação um tanto problemática das nações da porção oriental do Velho Mundo. Dizer que a Romênia é européia pode ser uma cortesia geograficamente verdadeira, mas e quanto às condições de vida? Talvez seja mais correto afirmar que o sonho europeu é um projeto em construção e ainda não é claro para quais caminhos ele aponta. Em todo caso, Rifkin faz pensar e joga questões interessantes para o debate.

8 comentários:

Patrick disse...

Mas não é curioso que a taxa de natalidade vai relativamente bem justamente naqueles países que adotaram um estado de bem estar social que apoia as mães, como é o caso dos estados nórdicos?

(o pior colocado é a Suécia, que está à frente de 50 países)

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Exelente, como de costume. Só um comentário. Os paises da Europa Oriental estäo cada vez com melhores tasas de desenvolvimento econômico e social. Como sempre, a boa educaçäo, no caso com uma orientaçäo marcada pela indústria informática, está deixando os frutos. É o calco da situaçäo da Irlanda: na década de 1980 em crise e hoje ao nível de qualquer outro pais da regiäo por o desenvolvimento, en especial, no setor de computaçäo.
Saludos!

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Olá, Patrick.

Os dados da Wikipedia são diferentes das estatísticas citadas no livro, mas a diferença não é tão grande, ambos mostram que a taxa de fecundidade dos países europeus é inferior àquela necessária para manter o crescimento da população, inclusive na Suécia e em outros Estados com proteção social avançada.

A projeção atual é que a população da Europa vai encolher 13% até 2050. Aliás, diga-se de passagem que algo semelhante deve acontecer no Brasil depois de 2030. A tendência ocorre em quase todos os países que alcançaram certo grau de desenvolvimento.

Hola Patricio,

Sem dúvida a Irlanda é a grande história de sucesso recente, mas também podemos destacar a Espanha e mesmo a Eslovênia, entre os países do leste.

Abraços

Rodrigo Cerqueira disse...

Maurício,

concordo que o autor deixa muito mais questões para debate do que propostas concluídas e estou contigo na idéia de que a descrição da vida na Europa refere-se a uma classe específica de europeus, não à maioria. Porém, não posso deixar de comentar a felicidade com que vejo autores propondo um modo de vida diferente do "american way". Esse modelo de vida voltado para o mercado, para o crescimento profissional com sacrifício pessoal, é uma praga do mundo moderno. Perdi a conta das vezes em que tive que justificar o fato de ter deixado de ser repórter do Globo, de quantos olhares de incompreensão já recebi por não querer voltar a morar no Rio e preferir a Praia da Costa a Copacabana ou Barra. Eu prefiro os amigos, a família, um tempo livre pra não fazer nada, mesmo que por isso eu não me torne um renomado analista de RI nem frequente o Painel Globonews. Eu gosto do slow food, gosto do ócio, gosto de observar. Quando um aluno me enche o saco eu vou pra praia. Então, viva o Sonho Europeu, mesmo que apenas como um horizonte.

Abraço.

Maurício Santoro disse...

Salve, Rodrigo.

Não havia pensado nas coisas por essa perspectiva, mas seu argumento é muito bom :-)

Minha questão é: será que o Sonho Europeu, tal como defendido pelo autor, não pode ser simplesmente uma variante do Sonho Americano? Afinal, os EUA são um país tão plural que é possível imaginar muitas pessoas buscando esse tipo de qualidade de vida.

Abraços

Hugo Albuquerque disse...

Sou pessimista quanto ao futuro dos dois "sonhos"; já tem algum tempo que a "América" não se sustenta mais por si própria, na medida em que compra mais do que vende e gasta mais do arrecada - e houve quem achasse isso sustentável -, do outro lado do Atlântico, a União Européia dá sinais não muito animadores desde a incorporação dos países do leste e agora nessa crise pairam muitas dúvidas sobre o futuro - conversando com alguns conhecidos meus que estão em Portugal, tive a ligeira impressão que o clima não é de muito otimismo.

No fim das contas, são dois sonhos que precisam ser reinventados e que no momento não me servem; não me agrada muito esse individualismo, essa loucura do modo de vida estadunidense, mesmo que tenha coisas boas, como a própria pluralidade e o dinamismo; a Europa, por sua vez, se pensada em sentido amplo - para além das fronteiras da UE - preocupa e mesmo que você pense no bloco em si, apesar das pessoas ainda gozarem de uma boa vida, a impressão que fica é de que o sistema anda esgotado em si mesmo, que a estrada para o futuro está cada vez mais enevoada e movediça -com a xenofobia e as tensões sociais explodindo mesmo em países que demonstravam uma grande prospedidade nos últimos anos como a Islândia e a Irlanda, por exemplo.

Isso se revela em grande parte nessa crise, creio que o Ocidente viva um péssimo momento.

rafa disse...

Eu quero saber a situaçao socioeconomica da Irlanda em relaçao ao grau de desenvolvimento na Europa e no mundo

Anônimo disse...

ola!adorei intensamente o vosso blogue!
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