quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Não Alimente os Políticos?


Chris Blattman, que leciona economia e ciência política em Yale, toca um dos blogs mais interessantes que conheço. Há poucos dias ele escreveu sobre uma pesquisa dos economistas Federico Finan (Universidade da Califórnia) e Claudio Ferraz (PUC-Rio) sobre o impacto dos aumentos salariais na produtividade dos vereadores brasileiros. A conclusão do artigo, segundo Blattman:

Salários elevados atraem políticos melhor instruídos, e mais homens de negócios e advogados em comparação a fazendeiros e militares. Apresentam maior propensão a conseguirem se reeleger, e portanto ficam com experiência ampliada ao longo do tempo. Submetem mais projetos de leis e logram aprovar legislação em maior número. Isso não significa que são pessoas melhores, só que são mais produtivos. Contudo, salários altos parecem aumentar o número de clínicas médicas, escolas e programas de infraestrutura escolar (embora não haja efeitos sobre a qualidade da água e do saneamento).


Nestes tempos em que o corregedor da Câmara dos Deputados consegue a proeza de construir um castelo digno da Cinderela, ninguém morre de simpatias pela idéia de aumentos salariais para políticos. Mas o artigo de Finan e Ferraz ecoa um debate clássico da ciência política, que remonta ao século XIX. Até aquela época, a atividade parlamentar era privilégio de uma pequena elite, em geral proprietários de terras e de imóveis urbanos que viviam de rendas e podiam dedicar seu ócio aos assuntos públicos. Com a expansão do sufrágio e a entrada em cena de representantes de classes populares, surgiu a demanda pelo pagamento de salários aos deputados. O objetivo era profissionalizar a política e abri-la a quem tivesse talento para a coisa, independentemente da origem social. Naturalmente, esperava-se que políticos bem remunerados fossem (relativamente) protegidos das tentações da corrupção.

Todas as democracias de massa – incluindo, evidentemente, o Brasil – passaram por um processo semelhante, no qual a vida política era exercida de início pelos notáveis locais, como o fazendeiro, e aos poucos ganhando uma coloração mais profissional. Os famosos bacharéis do Império, tão bem examinados por Gilberto Freyre ou José Murilo de Carvalho, são exemplos desse desenvolvimento. Atualmente, os estudos sobre o Congresso brasileiro destacam o declínio dos coronéis tradicionais e ascensão das chamadas “profissões da pluma”, como advogados, jornalistas e professores.

Não digo que isso, por si só, represente a melhoria do Congresso. A revolta do Baixo Clero que levou à inesquecível presidência de Severino Cavalcanti dificilmente é o momento mais belo da democracia brasileira. Tudo contabilizado, significa apenas que as regras do jogo estão mudando e que é preciso um esforço para tomar consciência do novo ambiente.

4 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Permita me fazer um agregado aos antecedentes. Chegam à época da Antiga Atenas. Reformando as medidas do Soläo, onde participavam só os cidadäos ricos, Clístenes deu a egalidade a todos os cidadäos (cerca do 8% da populaçäo, mais grande avançe pra issos tempos), mas ainda seguia sendo na prática um sistema plutocrâtico, já que os cidadäos mais povres (artesanos, comerciantes) näo podiam deixar seus travalhos. Entonces Pericles deu salários pra todos os que tiveram cargos públicos, o qual conformou o que os historiadores chamam "democracia ateniense". Digamos, foi qüase a mesma história, só que mais de dois milénios atrás.
Pensando no caso da Argentina, näo tenho dados (promisso pesquisar) mas creio que nas Cámaras sempre tiveram uma presência forte de "profissionáis da pluma", como bem diz, e também de "profissionáis do estetoscópio"; já save que os médicos e profissionáis da saúde sempre tiveram uma participaçäo muito grande na política do pais (Illia, Cámpora). O que me preocupa (tantas vezes devo ter falado disso!) é a administraçäo pública. A imensa maioria dos profissionáis näo querem ingresar. Os cargos de hierarquia muitas vezes säo desempenhados por pessoas sem logros acadêmicos (nem títulos universitários) mas com boas "conexöes" e "cintura política". Os salários säo muito mais baixos do que no setor privado e socialmente näo é prestigioso. Por dar um exemplo, um economista va ganhar muito mais como asesor duma empresa e näo va sinter pressöes pra "dibuxar" números.
Saludos!

Anônimo disse...

Eu não teria nada contra pagar altos salários aos vereadores se eles trabalhassem.
Mas, na grande maioria, apenas recebem o salário, ajudam aos amigos e parentes e dizem sim ou não para os prefeitos.
Por isso, até que a gente tenha uma forma de avaliação da gestão de vereadores, acho que eles não deviam ganhar nada. Assim, afastaríamos do cargo gente que só quer o salário ou os benefícios e colocaríamos no lugar gente que quer contribuir para a sua cidade. Mas, já ouço alguns retrucando: vc quer que eles trabalhem de graça????
Não, como disse eles não trabalham. Me diga um vereador que trabalhe cinco dias por semana, durante oito horas.... Em geral, comparecem a apenas uma ou duas sessões por MES...
Todos, com a possível excessão dos preguiçosos, exercem alguma outra profissão. Portanto, acho que não há justificativa para os altos salários - sim, são altos - dos vereadores.
Os salários bons deveriam ser pagos a servidores, estes sim, ralam e nunca são reconhecidos. Para os cargos públicos é que deveriamos ter salários competitivos para atrair gente boa.

Anônimo disse...

Mauricio, muito bom o assunto. Há tempos procuro pesquisas como a que você citou.

Segundo o G1 (abaixo o endereço), o maior salário entre vereadores de capitais brasileiras é de Campo Grande, R$ 9.500. Tudo bem, não é uma merreca, mas um profissional de alto nível pode conseguir isso sem se embrenhar no submundo da politicagem.

Então, o que atrai as pessoas para a vida política não é o salário e sim os "por fora" (e os "por dentro" como verbas de gabinete).

O problema no nosso sistema político é a falta de transparência. O salário poderiam até ser maiores.

Maurício Santoro disse...

Oi, Patricio.

Muito bem colocadas as observações sobre Atenas (eu desconhecia as medidas de Sólon sobre salários aos cargos públicos) e seus comentários sobre a Argentina.

Não estou por dentro dos estudos sobre o legislativo do seu país, mas meu palpite é que as profissões da pluma (e da clínica) são mais fortes por aí porque acompanharam o ritmo da ascensão da classe média, desde as reformas do início do século XX.

Caros Aiaiai e Francisco,

com certeza, o salário é apenas parte da história, e é preciso considerar os ganhos extras, em particular em poder de patronagem. Além disso, num país do tamanho do Brasil, com tantas desigualdades regionais, cada área deve ter também seus próprios critérios.

Eis aí uma forte agenda de pesquisa.

Abraços