segunda-feira, 20 de outubro de 2008

À Procura de Gandhi



Ontem assisti a mais um excelente documentário da série “Por que democracia?” - espero que as produções sejam lançadas em conjunto, numa caixa de DVDs ou algo assim. Desta vez o tema foram as desigualdades sociais na Índia, no filme “À Procura de Gandhi”, do cineasta Lalit Vachani.

O diretor refez o percurso de mais de trezentos quilômetros da “Marcha do Sal”, que Gandhi havia conduzido em 1930 para protestar contra o monopólio sobre o produto exercido pela Coroa britânica. A manifestação foi um marco do movimento pela independência da Índia. Vachani percorre o caminho e vai conversando com as pessoas sobre Gandhi, constatando que as idéias de tolerância e não-violência do líder foram esquecidas, ou passaram a ser consideradas incômodas, e em seu lugar surgiu um amálgama de consumismo, individualismo exacerbado (com profunda desconfiança do Estado e dos outros cidadãos) e fundamentalismo religioso hindu e muçulmano. Mas também afloraram novas mobilizações sociais, em particular entre os mais pobres.



A viagem começa em Gujarat, a província natal de Gandhi. A região é governada por Narendra Modi, que incorporou o discurso da modernização e de transformar Ahmedabad, a capital provincial, numa “cidade global”. Ao mesmo tempo estimula o fundamentalismo hindu como maneira de se manter popular. Em sua administração a economia cresceu, mas também ocorreram uma terrível onda de violência religiosa, na qual pelo menos mil muçulmanos foram assassinados e vários outros tiveram suas casas destruídas. A polícia ficou de braços cruzados, enquanto as atrocidades aconteciam.

O cineasta visita alguns pontos célebres da marcha, como a ponte Ellis, onde Gandhi fez um famoso discurso. Agora existe uma favela embaixo da ponte, que está ameaçada de ser despejada pelo governador Modi.

As contradições da democracia indiana também estão presentes na zona rural – não poderia ser de outro modo num país em que mais de 2/3 da população depende do campo para sobreviver. Vachani atravessa as pequenas aldeias por onde Gandhi passou e descobre que os locais onde ele se hospedou foram abandonados ou destruídos, e que muitas de suas estátuas estão trancadas ou escondidas. O momento mais impressionante é a conversa que ele tem com um homem muito idoso, que participou da marcha do sal. Embora ele fale com respeito dos ideais de pacificismo, também mergulha numa diatribe violenta contra os muçulmanos.

Contudo, Vachani encontra igualmente sinais de progresso e melhoria na Índia. A nova riqueza material é palpável, com uma ampla classe média aproveitando os frutos da tecnologia e as maravilhas do consumo.

Ele também se impressiona com a força do movimento dos Dalits, as pessoas que estão de fora do sistema de castas e ocupam a posição social mais baixa na sociedade indiana. Gandhi os chamava de Harijan, os Filhos de Deus, e condenava a discriminação contra eles – posição endossada na Constituição da Índia, que criou programas de ação afirmativa. Hoje o termo Harijan é considerado paternalista e pejorativo, assim como o mais conhecido “intocáveis” e a expressão mais usada é “dalit”, que significa algo como “oprimido”. O cineasta conversa com os ativistas, inclusive um que foi eleito prefeito de seu vilarejo. Naturalmente, o racismo persiste e o ódio é bastante explícito nas entrevistas do filme.

Dica para quem se interessa por Índia e quer conferir uma perspectiva brasileira sobre o país: visitem o sítio do Sergio Leo, que começou a postar sobre sua recentíssima viagem por essa nação.

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