quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Tempos Sombrios para a África do Sul


A África do Sul é um dos principais aliados internacionais do Brasil, e as duas nações têm problemas tão parecidos que me espanta a escassez de informações disponíveis por aqui sobre o que se passa com o amigo do outro lado do Atlântico. Nos últimos dias aconteceu a maior mudança política sul-africana desde o fim do apartheid, com a renúncia das principais autoridades do governo: presidente, vice, 11 ministros, entre outros. A nova liderança está com o atual líder do partido oficial, o Congresso Nacional Africano - Jacob Zuma. Ele provavelmente sucederá Thabo Mbeki como chefe de Estado nas eleições de abril. Mais do que uma dança de cadeiras entre poderosos, é uma transformação com profundas implicações sociais, econômicas e étnicas. Algumas delas, perturbadoras.

escrevi sobre Zuma, as acusações de corrupção, estupro e suas incraditáveis declarações sobre AIDS. Tratei também de sua rivalidade com o presidente Mbeki. Portanto, vou só aprofundar certas questões. Comecemos pelo dinheiro.

A África do Sul é uma economia industrial moderna. O PIB de quase US$300 bilhões é o maior do continente e tem crescido em torno de 5% ao ano. A renda per capita é de quase US$10 mil em paridade do poder de compra – semelhante à do Brasil. Os problemas aparecem quando olhamos a situação social: metade da população na pobreza, desemprego acima dos 20% (passa de 40% em algumas regiões) e índice Gini de desigualdade de 0,65, pior do que os mais terríveis já registrados na sociedade brasileira. Violência e AIDS são selvagemente disseminados.

Embora os governos Mandela e Mbeki tenham feito muito pelo estabelecimento da democracia e dos direitos civis e políticos, o aspecto sócio-econômico é sombrio. A agenda nessa área foi conservadora e procurou acima de tudo conquistar a confiança de investidores internacionais e marcar a diferença com relação ao período autárquico do apartheid e à retórica anti-capitalista que esteve presente em boa parte da luta de libertação.

Zuma é zulu, e poderá ser o primeiro representante do maior grupo étnico da África do Sul a alcançar a presidência. Mandela e Mbeki são xhosas, povo que sofreu o impacto da colonização européia já no século XVII, e quase foi extinto durante a década de 1850, quando uma líder messiânica levou-os a dizimar seu gado, principal fonte de sobrevivência. Depois disso, os xhosa se subordinaram ao império britânico e com o tempo a elite local chegou a ter benefícios. Mandela cresceu na Corte xhosa, pois seu pai havia sido primeiro-ministro do rei. Ele mesmo fora treinado quando jovem para ocupar a posição, recebendo a raríssima distinção de estudar Direito na universidade dos brancos.

Os zulus foram afetados mais tarde pela colonização européia, só no século XIX, e desenvolveram um sofisticado sistema militar para enfrentar os invasores, comparável àqueles criados em Esparta ou na Prússia. Infligiram derrotas humilhantes ao império britânico e, embora finalmente vencidos, nunca se consideraram conquistados.



O apartheid jogou com as rivalidades entre os dois grupos e favoreceu os zulus e seu poderoso rei, em detrimento dos xhosa, cujos intelectuais formaram boa parte do núcleo dirigentes do Congresso Nacional Africano e da oposição ao regime racista. Os anos finais do apartheid foram marcados por onda de violência entre as duas etnias que esteve perto, muito perto, de inviabilizar a transição para a democracia. Claro, havia zulus importantes no Congresso Nacional: o próprio Zuma era uma figura de destaque desde seus tempos de guerrilheiro na década de 1960, e ficou preso ao lado da Mandela na mítica prisão de Robben Island. Sua parceria com Mbeki foi fundamental para garantir o fim das hostilidades entre os dois grupos étnicos.

Zuma apela aos sentimentos rebeldes e esperançosos do passado, por seu histórico de guerrilheiro e sua vivência de classe trabalhadora, ao contrário do pedigree aristocrático de Mbeki, um intelectual pós-graduado na Inglaterra. Contraste ainda mais marcante pela diferenciação étnica, que reproduz os esteriótipos de longa data entre zulus e xhosas, e isso num momento em que a violência xenofóbica contra imigrantes de outros países africanos, sobretudo do Zimbábue, aumentou bastante.

4 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Cada vez artigo da África do Sul é como uma classe sob o pais para mim. Aqui näo se falou sob a crise política, näo savia nada até ler seu blog, como näo savia sob o rei dos xhosa, etc.
Ah, na segunda comentei na universidade sob sua brincadeira da "mäo visível" do Bush. HAHAHA
Saludos!

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Meu caro,

Me sinto um subversivo na política argentina :-)

Bom saber que o blog é útil, ou ao menos divertido para você.

Abraços

Anônimo disse...

(Mauricio, não vi seu e-mail no blog, por isso estou escrevendo aqui na caixa de comentários. Você poderia me enviar um e-mail no editor.amalgama@gmail.com? te retorno sugerindo algo. Grato)

Maurício Santoro disse...

Salve, Daniel.

Mando sim, sem problemas.

abs