quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Panorama de Cuba



Ao longo do meu trabalho em cooperação internacional, aprendi a admirar as fundações partidárias da Alemanha, que atuam na América Latina com grande competência e capacidade de análise. Um exemplo desse enfoque é a revista Nueva Sociedad, editada pela Fundação Friedrich Ebert, cuja edição atual é dedicada à situação de Cuba sob Raúl Castro. São 11 artigos, dos quais extraí as informações que cito neste post.

Comecemos pela economia. Cuba conseguiu deixar para trás o chamado “período especial”, a severa crise provocada pelo fim do bloco soviético. Os efeitos foram terríveis para a ilha: o PIB caiu 35%, as exportações, 47% e as importações, incríveis 70% - o que explica a escassez material que vi na minha visita ao país, em 2001.

De lá para cá, Cuba se reergueu com a ajuda de alguns amigos: Venezuela e China, mas também Canadá e os países da União Européia, sobretudo a Espanha. Os principais investimentos estrangeiros têm sido na área da mineração, petróleo, telecomunicações e turismo. Isso mostra o novo perfil econômico cubano, centrado em serviços e em exportações minerais, em particular de níquel. A produção petrolífera se multiplicou por seis desde 1990, algo fundamental para um país que historicamente sofreu de forte escassez de combustível.



Apesar das melhorias, vários problemas persistem na economia. A desigualdade aumentou na medida em que apenas alguns cubanos têm acesso aos dólares dos turistas, contudo o índice Gini cubano é de 0,38, melhor do que o dos Estados Unidos e comparável aos dos países latinos da Europa. Raúl Castro tem acenado com concessões para essa nova classe média, é esse o sentido da recente abertura para importar eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos.

Mais preocupante é a situação agrícola. A produção de alimentos caiu muito, em alguns setores para metade do que havia sido. O resultado é uma perigosa dependência de importações, em momento de alta nos preços agrícolas. Isso explica porque Raúl Castro tem apostado na privatização das fazendas coletivas, e analistas sugerem que ele aplique o modelo chinês de dar mais autonomia produtiva aos municípios. As reformas têm sido limitadas, quase 80% da economia continuam sob controle estatal.

Outra transformação significativa é na indústria do açúcar, que sofreu bastante nos últimos anos com a falta de capital e a perda de mercados internacionais. O governo começou a fechar usinas e os planos são de manter abertas apenas 40 instalações, de um total que já foi de quase 180.



Internacionalmente, Cuba está menos isolada. Além da supra-citada aliança com Venezuela e China, a União Européia suspendeu as sanções que havia adotado quando o regime cubano prendera dezenas de dissidentes, no início da década. Ferramentas tradicionais da diplomacia de Havana, como o envio de médicos para países em desenvolvimento, continuam a pleno funcionamento: são cerca de 30 mil profissionais de saúde atuando em 70 países, além de 10 mil estudantes estrangeiros nas escolas médicas de Cuba (acima, foto do projeto venezuelano Barrio Adentro, que coloca médicos cubanos em favelas e bairros pobres). O mais impressionante é que o país começou a investir em pesquisa biotecnológica na Ásia, em parcerias com China e Malásia.

Infelizmente, o número especial da Nueva Sociedad não trata das questões relativas à democracia e aos direitos civis e políticos. Eu gostaria de ter mais detalhes sobre a ação de iniciativas de oposição ao regime de Raúl Castro, como o Projeto Varela, e quero entender o padrão da nova leva de migração, que já começou a ser comparada ao célebre êxodo de Mariel, da década de 1980. Me pergunto também se a Rússia ressurgente que começa seu retorno ao Caribe venezuelano não irá buscar algum tipo de envolvimento com seu antigo aliado, hipótese que me parece bastante possível, dado interesses comuns na área de energia.

2 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Interessante artigo. Espero que a abertura política seja maior. Economia livre sem democracia me faz lembrar as nossas ditaduras.
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Sem dúvida, meu caro, para não falar da China e da Rússia...

Abraços