terça-feira, 24 de junho de 2008

Uma Visão da Crise Argentina



Sei que estou em casa quando o ônibus entra pela Avenida del Libertador e avisto o velho centro de Buenos Aires, ouço a cadência italianada do espanhol da cidade e os torcedores do River Plate comemoram junto ao Obelisco, que continua a velar orgulhosamente pela grandeza da 9 de Julho. Os muros seguem cheios de cartazes políticos e poucas coisas me deixam tão feliz quando caminhar meio sem rumo (“flaner”, diriam os franceses) pelas ruas portenhas, tomando o pulso dessa nação platina que é tão importante na minha vida, enquanto levanto a gola do casaco para me proteger do vento gelado do início do inverno. Bom também rever os amigos (Su, obrigado pelos presentes e pelo jantar com o pessoal da FLACSO) e me abastecer de livros e DVDs baratos sobre temas latino-americanos.

O trabalho foi intenso e produtivo. Apresentei à REJ as atividades do Conselho Nacional de Juventude. Contei a história da instituição e relatei nossas principais ações, sobretudo o processo de realização da Conferência Nacional de Políticas de Juventude. Procurei situar os desenvolvimentos nessa área no contexto mais amplo de criação de mecanismos de participação social no Brasil democrático.

O Brasil assume a presidência do Mercosul – e de suas reuniões especializadas – no próximo semestre, e as perspectivas são boas para ampliar o diálogo no campo de políticas juvenis, em particular com a Argentina, que acaba de criar seu próprio Conselho. A equipe do Ministério do Desenvolvimento Social, do qual ele faz parte, é jovem, entusiasmada, muito qualificada, de primeiríssimo nível. Será um prazer trabalhar com eles. Também estou curioso para observar o que irá acontecer no Paraguai, pois os movimentos jovens foram importantes na vitória de Lugo.

A rápida viagem foi uma oportunidade para olhar de perto a crise argentina. A primeira coisa que me chamou a atenção foi o valor relativamente pequeno das cifras envolvidas. O aumento de impostos sobre as exportações agrícolas, que foi o estopim do conflito, envolve entre US$750 milhões e US$1,5 bilhões, dependendo da fonte.

A medida trouxe à tona uma série de insatisfações que estavam latentes, e os bloqueios de estrada promovidos pelo agronegócio serviram como ponto focal para a reorganização da (até então muito dispersa) oposição a Cristina Kirchner. As disputas tratam também da inflação e da reação dos donos dos meios de comunicação a um projeto governamental de mudar a regulamentação do setor.

A imprensa está totalmente contrária ao governo e até revistas de celebridades trazem reportagens sobre a crise, como perfis dos líderes do agronegócio. Contei três livros recém-lançados que tratam do conflito atual. Verdadeira proeza editorial, visto que a contenda tem apenas 100 dias... A popularidade de Cristina Kirchner despencou cerca de 30 pontos e está por volta de 25%.

A Praça do Congresso foi ocupada por militantes peronistas, que montaram tendas numa vigília para marcar posição e de certo modo prevenir que o local se tornasse palco de manifestações contrárias a Cristina Kirchner. O prefeito de Buenos Aires, o oposicionista Maurício Macri, quer tirá-los de lá, alegando que não têm licença e que não seguem normas de segurança. Mas a ação teria que ser executada pela Polícia Federal, controlada pela Casa Rosada, que obviamente se negou a cumprir a tarefa.

O período mais agudo da crise ocorreu há duas ou três semanas, no auge da falta de alimentos. As TVs agora noticiam a chegada de tantas centenas de caminhões com tantas mil vacas, como se Buenos Aires tivesse rompido o cerco de um Exército inimigo. Mas o clima político ainda é tenso. A presidente enviou ao Congresso projeto de lei sobre o aumento de impostos, que havia sido decretado por uma versão argentina das medidas provisórias brasileiras. O debate parlamentar será difícil, assim como as rodadas de negociações recém-iniciadas entre a Casa Rosada e os líderes do agronegócio. Me parece que os dois lados medem suas forças e estudam um ao outro, avaliando seus pontos fortes e fracos antes de se dispor a fazer concessões.

4 comentários:

Márcio Santoro disse...

Interessante o relato! É bom ver que os interesses da juventude de nosso país estão sendo bem representados por você lá junto "a los hermanos"! A falta de alimentos já foi totalmente superada? Teve dificuldades para achar um bom bife de chorizo? rs Abração, Márcio.

Suhayla Khalil disse...

Olá!! Não há de que. Foi muito bom te rever, ainda mais em Buenos Aires! Quero a foto depois. O debate parlamentar será muito difícil mesmo. Ontem os deputados oficialistas fizeram o possível para adiar a votação. O que foi prontamente respondido com gritos e sinais pela posição. O resultado foi um clima hostil e de agressões verbais. Andamento sobre a questão das retenções mesmo não houve.

Beijos,
Su.

Maurício Santoro disse...

Salve, irmão.

Tenho lá minhas dúvidas se sou representativo da juventude brasileira, mas me esforcei para dar um painel do que temos feito no Conselho. Acredito que temos um papel importante para ajudar as sociedades vizinhas em seu processo de organização. Nesse sentido, o Brasil é um modelo.

Foi fácil como sempre comer um bom bife em Buenos Aires, e acrescento o vinho, que também foi ótimo em todas as refeições, e caiu bem em meio ao frio.

Olá, Su.

Estou acompanhando as notícias e na REJ ouvimos em primeira mão o informe dos debates no parlamento, através de uma deputada do oficialismo que nos narrou o clima de confronto. Acho que vem chumbo grosso pela frente.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Toda uma pena, meus caros, näo lhes encontrar! Outra vez será! JEJEJE
Sim, os meios de comunicacäo estäo com o campo, como bem diz. Também há uma muito activa campanha contra o governo pelas cadenas de e-mail. Vou te enviar algunas pra que veja as barbaridades que chegam dizer.
Saludos!!!

Patricio Iglesias