terça-feira, 29 de abril de 2008

A Última Trincheira


Até onde sei, “A Última Trincheira” é o único livro de um autor brasileiro sobre as FARCs. O autor é o jornalista Fábio Pannunzio, que foi à Colômbia em 1999 para realizar uma série de reportagens para a TV Bandeirantes. Escreveu um misto de romance com relato de não-ficção que é um testemunho importante das fracassadas negociações de paz entre a guerrilha e o governo Andrés Pastrana (1998-2002).

Pannunzio chamou seu livro de romance, mas me parece que uns 80% são jornalismo. A narrativa segue duas paralelas. A primeira é a história dele mesmo, e de seu cinegrafista, indo à Colômbia e tentando entrevistar comandantes das FARCs, estabelecendo-se em San Vicente del Caguán, “a capital da guerrilha”, cidade que foi escolhida para sediar a zona desmilitarizada durante as negociações. A segunda é a de uma família de camponeses que se vê envolvida no fogo cruzado entre FARCs, Exército e paramilitares.

O livro foi publicado em 2001 e a rápida progressão dos acontecimentos na Colômbia fez com que ele já adquirisse o sabor de um relato histórico – no caso, do tenso contexto em que se deram as negociações de paz. Pannunzio descreve uma Bogotá apavorada e perigosa, que contrasta com a segurança que a capital adquiriu recentemente, ao se tornar o que um amigo colombiano chama de “ilha de legitimidade” em meio a um mar ainda turbulento. Há uma passagem tragicômica na qual o autor-narrador é assaltado em meio a um bem executado conto do vigário, em pleno centro de Bogotá.



O cerne do livro é são as duas semanas que Pannunzio passa na zona desmilitarizada e que lhe faz ver outra Colômbia. Uma de camponeses pobres, de origem indígena, que são a base de recrutamento da guerrilha. Ele descreve o alívio de San Vicente del Caguán com a interrupção dos combates, ainda que matizado pelo medo de que a guerra retornasse. Narra também os esforços da guerrilha em administrar a área.

Pannunzio traça um retrato em geral simpático das FARCs, descrevendo seus integrantes e líderes como pessoas comprometidas com um ideal de transformação social ampla. Contudo, seu livro fornece informações e detalhes que permitem interpretações mais críticas da guerrilha: o poder de vida e morte exercido sobre camponeses, o recrutamento de adolescentes (alguns de até 12 anos), ilegal pelas leis da guerra, os seqüestros e a extorsão praticados para financiar a luta armada e o desconhecimento da realidade colombiana mais ampla, fora do meio rural limitado em que se dão os combates.

Dois pontos me chamam a atenção no retrato que Pannunzio pinta da guerrilha: sua fortíssima vinculação com o meio rural e modo como a sociabilidade cotidiana no campo se impregnou da violência que consome o país sem tréguas há 60 anos.

O que faz falta no livro é a busca de informações sócio-econômicas e históricas mais amplas, que pudessem iluminar a breve experiência pessoal do autor no país. Pannunzio ouviu as FARCs e os moradores de San Vicente del Caguán, mas não há relatos de entrevistas com autoridades, com acadêmicos ou com paramilitares, nem a busca de entender melhor as transformações pelas quais a guerrilha passou em seus mais de 40 anos – por exemplo, a tentativa frustrada de se estabelecer como partido político (a União Patriótica) na década de 1980.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bem Professor,
Depois de ler esta nota sobre "A Última Trincheira", ficou claro que desde sempre movimentos revolucionários contra formas de governo,seja por resistência ou posicionamento político, têm como base trabalhadores rurais,pobres, idealistas, nacionalistas, mulheres, crianças. É a tal base da pirâmide social; ela é maior, quantitativamente falando, e mostra sua força, quando age em detrimento de um ideal. Não estou em defesa da postura tomada pelas FARCs, que por mais "bem intencionadas" que possam parecer em certos momentos,tomam para si as rédeas do poder de decisão. Toda e qualquer arbitrariedade necessita de limites; se é preciso fazer revolução, que seja feita calculando o mínimo possível de perda humana. Hoje, por coincidência, li um artigo de Leonardo Valente sobre a Diplomacia Midiática do Chavez.Realmente a capacidade de estar em evidência dos latinos, é algo que envolve a massa e contagia qualquer coração inflamado por Revolución.

Maurício Santoro disse...

Cara Carla,

Cuidado, nem sempre é assim. Muitos movimentos revolucionários nascem pela liderança de ativistas de classe média, embora necessitem da ampliação da base social para prosperar.

No caso das FARCs, minha análise é que as origens de transformação social da guerrilha existiram nos anos 60, mas foram perdidas na década de 80, com sua crescente vinculação ao tráfico de drogas e ao crime organizado, e no fracasso de se transformar num movimento político democrático, como um partido.

Mas enfim, falaremos bastante da Colômbia na nossa próxima aula, no dia 10.

Abraços