sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Dois Séculos de Soberania



Nesta semana completaram-se 200 anos da chegada ao Rio de Janeiro da família real e da Corte portuguesa. Mais de 20 livros sobre a época foram publicados para celebrar a data, algo incomum num país de pouco hábito de leitura, como o Brasil. Ainda na graduação, li o excelente “D. João VI no Brasil”, de Oliveira Lima, que matou minha curiosidade pelo período. Contudo, vale aproveitar a ocasião para refletir um pouco sobre o que significou a transferência da Corte para nosso país.

Produções populares para cinema e TV consolidaram no imaginário brasileiro a idéia de D. João como um débil mental governando uma sociedade corrupta e decadente, e retrataram sua fuga de Lisboa como um episódio patético e inesperado. A realidade é mais matizada e interessante. Desde a Restauração de 1640, quando Portugal libertou-se do jugo da Espanha, o país tornou-se dependente da aliança com a Inglaterra para defender sua precária segurança e seu império marítimo ainda mais frágil. Já naquela época o padre Antônio Vieira propôs a mudança da capital, e no século XVIII o influente diplomata d. Luís da Cunha reforçou a idéia.

D. Luís havia representado Portugal em Londres, Paris e Madri e estava consciente do atraso lusitano diante da França e da Inglaterra, e assustado diante dos riscos militares nas crises do antigo regime, em particular a Guerra de Sucessão Espanhola. Os terremotos da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas apenas agravaram as circunstâncias, colocando Portugal na situação insustentável de escolher entre enfrentar a coligação França-Espanha ou romper a aliança inglesa.



Não conheço outro império colonial que tenha sido governado de uma de suas colônias, embora algo assim tenha sido discutido na França quando o país foi invadido pela Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. D. João foi mais sábio do que o marechal Pétain, preservou a monarquia e expandiu seus domínios para territórios americanos (os atuais Uruguai e Guiana Francesa) pertencentes a seus inimigos europeus. E pelo de Rio de Janeiro foi ficando, aqui foi aclamado rei e talvez por cá tivesse morrido, não fosse a Revolução Liberal do Porto e a indignação de seus súditos portugueses a exigir o retorno do soberano.

O principal legado da estada da Corte no Brasil foi ter lançado as bases para a construção do Estado nacional, com estadistas de primeiro porte, como d. Rodrigo de Sousa Coutinho, criando os primeiros estabelecimentos de ensino superior, eliminando o monopólio metropolitano do comércio exterior, estimulando a ciência e trazendo para o Rio de Janeiro a célebre “biblioteca dos reis”, que hoje conhecemos por Biblioteca Nacional. Tesouro tão importante que rendeu enormes disputas quando da independência brasileira, menores apenas do que as negociações da dívida externa.

Um olhar mais crítico veria que as bases desse Estado eram terríveis: patrimonialismo, nepotismo, escravidão, atraso econômico. Em grande medida, representavam o que havia de pior na Europa Ocidental naquele momento. Concordo. É destes cacos que estamos tentando construir um país.

2 comentários:

José Elesbán disse...

Caro professor, gostei demais deste texto. Principalmente o final. Dos cacos temos que fazer um país.

Maurício Santoro disse...

Pois é, Zé, estamos tentando.

Gosto muito de um historiador brasileiro do século XIX, Capistrano de Abreu, que foi muito amigo de Machado de Assis.

Ele tem um livro chamado "Capítulos de História Colonial" em que lista as atrocidades cometidas na formação do Brasil, e pergunta ao leitor se valeu a pena.

A questão fica sem respostas, ecoando no vazio, mas cá para nós tenho a sensação de que Capistrano esperava que fizéssemos que com que esta História valha a pena.

abraços