quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Chile: a panela de pressão


Uma amiga certa vez tomou o táxi em Santiago e perguntou ao motorista com qual povo latino-americano os chilenos mais se identificavam. O homem pensou um pouco e respondeu: “Com os ingleses”. Por essas e outras, muitos de nós os consideravam a mais tediosa população do continente. Algo mudou no país e o Chile tem vivido “tempos interessantes”, sem querer dar à expressão o mesmo peso dos antigos chineses, que a usavam para amaldiçoar os inimigos.

A notícia mais recente é a prisão da família do ditador Augusto Pinochet e mais de 20 pessoas de seu círculo íntimo, incluindo oficiais militares da ativa. A turma é acusada de roubar mais de US$20 milhões dos cofres públicos.

A segunda leva de notícias é a enorme quantidade de protestos sociais que têm ocorrido no governo da presidenta Michelle Bachelet.

A meu ver, as duas coisas estão ligadas.

A ditadura chilena teve caráter personalista que contrasta com suas contrapartes na Argentina e Brasil. Não há paralelo no Cone Sul ao culto de personalidade ao Tata, o “paizinho” Pinochet como o chamavam seus partidários. Pelo contrário, homens como o ditador argentino Jorge Videla são ilustrativos da tese da “banalidade do mal” de Hannah Arendt, justamente por seu aspecto apagado, nada carismático. Em outras circunstâncias seriam burocratas pacíficos que passariam a vida cumprindo suas obrigações rotineiras e regando o jardim aos domingos.

Não há nada parecido na Argentina e no Brasil com as velhinhas que idolatram Pinochet. O escritor Ariel Dorfmann observou o componente sexual desse tipo de manifestação. Não fosse a faixa etária das suplicantes, poderíamos tomá-las pela platéia de um show do High School Musical ou da Shakira. Veja a foto abaixo e diga se você concorda comigo e com Dorfmann:



Quando Pinochet morreu, em 2006 , sua desaparição de cena teve o efeito da retirada da tampa de uma panela de pressão. As pessoas se sentem mais seguras e confiantes na democracia e resolveram ir às ruas protestar, diz a Economist. Ou seja, deram vazão a sentimentos de descontentamento há muito latentes. Em grande medida são demandas por maior fatia no bolo da prosperidade da alta do cobre (movimento dos mineiros em la Escondida) e as greves da central sindical do país. Mas também os conflitos durante o aniversário do golpe militar, em 11 de setembro, as manifestações ambientais, as passeatas criticando a péssima reforma do sistema de transporte em Santiago e, claro, a Revolta dos Pingüins, o levante estudantil de 2006 que foi precursor da seqüência de protestos.



Bachelet cometeu erros de gestão em muitas dessas crises, mas em grande medida simplesmente deu azar de estar na presidência quando a torrente de insatisfação reprimida foi liberada. Sua popularidade caiu para apenas 35%.

Minha curiosidade com relação aos protestos é dupla: conseguirão remover as limitações à democracia no Chile? Provocarão alterações no modelo econômico do país? Quanto ao primeiro ponto, Pinochet legou aos seus compatriotas vários freios institucionais que limitam o controle civil sobre as Forças Armadas (incluindo a importantíssima questão das receitas do cobre, um percentual vai direto aos militares), além de impor um sistema eleitoral que favorece as zonas rurais, onde a direita é mais forte.

O segundo item é mais complexo, pois a economia chilena é presa a diversos compromissos internacionais (como mais de 50 tratados de livre comércio) que tornam difícil qualquer mudança significativa. O que os governos socialistas têm feito desde 1999 é intensificar os gastos com política social, para amenizar os efeitos mais brutais da desigualdade que se tornou comparável à brasileira.

Também é o caso de se perguntar se a liberalização dos costumes no Chile é causa ou conseqüência dos protestos, ou se vem tudo tão misturado que não dá para saber. Afinal, o país legalizou o divórcio, passa anúncios anti-AIDS na TV (para eles, foi uma tremenda ruptura!), elegeu uma mulher para a presidência. Andam cheios de saliência, os chilenos. Daqui a pouco resolvem organizar até carnaval.

E tomara que tenham uma política externa um pouco menos conflitiva com o resto da América do Sul. Até onde sei é o único país do continente que cogitava seriamente a possibilidade de guerrear simultaneamente contra todos os seus (três) vizinhos.

5 comentários:

IgorTB disse...

Digamos que esta pré-disposição para entrar numa empreitada bélica, nuestros hermanos herdaram dos ingleses...

Maurício Santoro disse...

Há uma tradição militar chilena em considerar o país como a "Prússia sul-americana", costume que chega muito próximo do rídiculo por causa da marcha do passo do ganso, que sempre me faz pensar na comédia "Primavera para Hitler". Ou Pinochet, sei lá.

Abraço

Anônimo disse...

Esse conservadorismo da sociedade chilena parece algo tão estranho pra mim... em pleno século XXI e ainda não tinha legalizado o divórcio!

Patricio Iglesias disse...

Qüando falou sob o pessoalismo pensei na ditadura de Stroessner, ainda mais longa.
Näo compreendi bem a votacäo. Uma modelo va virar em congresal? Aqui Moria Casán participa na Cidade de BsAs do partido UCeDé, mas só chega ao 2%!
Saludos

Maurício Santoro disse...

Hola, Patricio.

Lo que se pasa en Brasil es que la ex-amante del presidente del Congreso es la chica en la portada de la Playboy de Octobre... Ella tiene una hija con el senador, y su pensión era paga con dinero de suborno de grandes empresas de la construcción civil.

La chica (todavia) no habla sobre ser candidata, pero parece que va a ser una estrella de cine...

Tienes razón sobre Paraguay, es una tierra de caudillos - Francia, los López, Stroessner, etc...

Abrazos