segunda-feira, 20 de agosto de 2007

O que Lula pode aprender com os Kennedys


A pegar a Marilyn Monroe, claro, mas outras coisas também. No fim de semana assisti ao documentário “Crisis: behind a presidential commitment”, de Robert Drew, análise muito interessante sobre como o presidente John Kennedy e o ministro da Justiça, seu irmão Robert, lidaram com a oposição do governador George Wallace à integração racial na Universidade do Alabama.

Eis o contexto histórico: a Suprema Corte dos EUA havia abolido a segregação racial em 1954, mas a decisão demorou a sair do papel no sul, onde a resistência dos brancos era muito forte. Os primeiros anos da década de 1960 foram de fortíssima atividade do movimento dos direitos civis na região, com greves, boicotes, manifestações e marchas. Nos estados mais racistas, Alabama e Mississipi, os protestos quase sempre terminavam em pancadaria ou mesmo assassinatos, com a polícia fechando os olhos enquanto a KKK e outros grupos extremistas cometiam seus crimes.

Em 1963 dois jovens negros decidiram se matricular na universidade estadual do Alabama e o governador afirmou que ficaria na porta para impedi-los de entrar. O gesto significaria contrariar uma ordem judicial federal. O que o filme de Drew acompanha é a maneira pela qual os Kennedys lidaram com a crise, procurando equilibrar seu compromisso com os direitos civis com a necessidade de não perder apoio político no sul, essencial para a campanha presidencial do ano seguinte.

O presidente encarregou Robert do caso. Ao fim, Wallace recuou quando a Casa Branca assumiu o controle da Guarda Nacional do Alabama e mobilizou as tropas para garantir a matrícula dos estudantes. Para o governador, interessava muito mais o teatro de se expor como principal representante da elite branca cansada (para usar um termo da moda entre seus homólogos brasileiros) da integração racial, tendo em vista suas ambições presidenciais. A seqüência na mansão do governador já vale o filme. A casa parece saída do set de “E O Vento Levou...”, com direito a serviçais negros uniformizados e tudo. Como será a casa dos líderes do Cansei? Acho que vou folhear umas edições antigas da Caras para descobrir.

Drew é um mestre do cinema direto, escola de documentário americana mais próxima ao jornalismo, ao registro cotidiano dos fatos. A câmera está lá de maneira tão discreta que temos a ilusão de acompanhar invisíveis o que se passa na Casa Branca. Claro, os Kennedys eram mestres absolutos das imagens e Drew havia conquistado simpatia e respeito dos irmãos ao fazer um filme sobre sua vitória nas primárias do Partido Democrata. Evidentemente, “Crisis” é pró-Kennedy e é difícil não se impressionar com a enorme capacidade de articulação e negociação política de Robert, ou com o tom decidido de John ao fazer o discurso em que comenta o incidente no Alabama e afirma com todas as letras seu compromisso com os direitos civis – ainda hoje emociona. Não é pouco para uma família de políticos cujo patriarca fez fortuna como contrabandista de uísque durante a Lei Seca.

Drew foi uma influência decisiva para o cineasta João Moreira Salles realizar “Entreatos”, seu belo filme sobre a campanha presidencial que culminou com a vitória de Lula. “Crisis” foi lançado no Brasil na excelente coleção de documentários da Videofilmes, empresa de Salles. Valeria a pena organizar sessões de vídeo no Planalto, porque é uma aula sobre como lidar com situações de tensão. Há muitas lições que poderiam ser tiradas para a gestão da crise aérea, como definir claramente quem é o responsável pela coordenação dos esforços (as brechas jurídicas usadas para federalizar a Guarda Nacional poderiam servir de inspiração para reformar a Agência Nacional de Aviação Civil), articular e preparar com cuidado as intervenções na mídia e, sobretudo, a noção precisa de que o presidente é o responsável em última instância pelas políticas públicas de seu governo.

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