domingo, 12 de agosto de 2007

Leis de Família



O cineasta argentino Daniel Burman tem apenas três longa metragens no currículo mas já se consagrou como um dos mais promissores artistas latino-americanos. Suas histórias são crônicas poéticas da comunidade judaica de seu país, retrando seus personagens com humor carinhoso e solidário e centrando seu olhar nas relações entre pais e filhos. Seu protagonista sempre narra o filme em off, chama-se Ariel e é interpretado pelo ótimo ator Daniel Hendler. “Leis de Família” ilustra esse estilo ao contar a história de um jovem advogado que após o nascimento do filho repensa seu relacionamento com o pai, que tem a mesma profissão.

O domínio que Burman tem da narrativa está cada vez maior. Os primeiros dez minutos do filme são primorosos, um pequeno conto no qual Ariel retrata a personalidade e a rotina de Bernardo, seu pai, uma celebridade no mundo dos advogados de pequenas causas em Buenos Aires. Ele lembra dos aniversários de todas as secretárias dos tribunais, sabe os times de futebol dos ascensoristas e têm uma hilária rede de aliados, colaboradores e simpatizantes que o ajudam a vencer suas pendências jurídicas.

O escritório de Bernardo chama-se “Perelman e Filhos”, mas Ariel recusou-se a seguir os passos do pai. Embora também seja advogado, optou por se tornar defensor público e professor universitário. A rotina do rapaz também ganha uma bela narrativa, que basicamente conta como ele se apaixonou por uma aluna e acabou casando-se com ela. Quando o filme começa para valer, o filho do casal está com dois anos. Um problema no prédio em que trabalha acaba dando a Ariel um mês de férias inesperadas, que viram uma oportunidade de pensar a respeito do seu lugar nas três gerações da família Perelman, em meio às pressões do pai para que se junte a ele em seu escritório.

“O Abraço Partido”, filme anterior de Burman, também falava das relações entre pais e filhos, tendo como cenário o bairro do Once, centro da comunidade judaica e do comércio popular de Buenos Aires. Havia um subtexto político, na dúvida do protagonista se deveria imigrar de uma Argentina que teimava em dar errado.

Em “Leis de Família” a temática judaica quase não aparece – os Perelman não são religiosos e o que define o clã é a dedicação ao direito, ainda que por vias heterodoxas como o divertido ofiício do tio Eduardo. A política entre de modo muito sutil, pela esculhambação do sistema jurídico, em cenas aliás muito familiares aos brasileiros. Em vez do Once, o cenário principal é área do centro portenho conhecida como Tribunales – além dos próprios, muitos restaurantes e cafés por onde circulam os personagens do mundo jurídico, e várias cenas na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires. Foi impossível não me emocionar, pois quando morava em Buenos Aires pegava ônibus para meu próprio curso bem em frente a essa instituição.

Burman tem sido comparado com freqüência a François Truffaut, por conta da ênfase autobiográfica de seus filmes. E uma certa delicadeza do olhar, acrescento. A analogia é válida, mas me parece que seu trabalho se aproxima mais de outro mestre do Velho Mundo, o italiano Ettore Scola, por causa do humor que sempre mostra grande simpatia pelos personagens de suas histórias, em particular no engraçadíssimo elenco de coadjuvantes, como Ramón, a testemunha profissional, o tio Eduardo ou o amigo especialista em interromper as aulas da faculdade.

Em suma, neste domingo que é dos pais, fica a dica deste belo filme sobre o tema. Um bom dia para todos.

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