quarta-feira, 18 de julho de 2007

Paraguai: a esponja e a fonte



Esta breve viagem ao Paraguai está sendo riquíssima em descobertas e pesquisas. Escrevo de Ciudad del Este, em plena Tríplice Fronteira. Minha equipe veio conversar com pessoas dos movimentos sociais de estudantes e de camponeses, sobretudo do departamento (província) de Alto Paraná, zona de expansäo agrícola com forte presença brasileira, em particular da soja.

Um dos jovens com quem falamos usou metáforas muito bonitas para descrever a situaçäo da juventude paraguaia: esponja e fonte. Esponja porque absorvem as tendëncias mais importantes da sociedade, fonte porque tëm o potencial mais forte para transformar o país.

Ontem conversamos com líderes do movimento estudantil paraguaio, numa roda de entrevistas com acadëmicos e pesquisadores. Os estudantes daqui tiveram recentemente um momento de ascensäo política, com a resistëncia ao golpe do general Lino Oviedo, no fim dos anos 90. Contudo, os principais articuladores entre os estudantes da época foram rapidamente cooptados pelo governo, ganharam cargos importantes e se envolveram em escändalos de corrupçäo. Somente agora o movimento renasceu, com uma campanha vigorosa pelo passe livre, que tem grande releväncia num país pobre.

Fiquei muito bem impressionado com a inteligëncia e dedicaçäo dos estudantes, que ainda sáo adolescentes. Me lembraram muito seus colegas chilenos da "Revolta dos Pingüins", que aliás sáo fonte de inspiraçäo para eles. Uma das líderes paraguaias comentou comigo sobre o desejo de estudar na Argentina e contei a ela da minha excelente experiëncia no país, estimulando-a a cursar a universidade em Buenos Aires: o contato com alunos de toda a América Latina, comum nas faculdades portenhas, certamente lhe faria muito bem.

O dia de hoje foi numa povoaçäo rural que sedia a Associaçäo dos Agricultores de Alto Paraná (Asagrapa, foto), na qual conversamos com jovens camponeses sobre seus problemas, desejos e esperanças. Eles sáo de origem guarani e se expressam melhor nessa língua do que em espanhol, embora também a compreendam. O movimento dos trabalhadores rurais por aqui obteve vitórias importantes ao fim da ditadura Strossner, mas atualmente se encontra em dificuldades por causa da soja.

As terras deste departamento sáo excelentes para o cultivo da soja e da cana, e grandes empresas tëm se instalado de maneira crescente na regiáo. Sáo principalmente brasileiras, mas também americanas e alemäs. Muitos camponeses venderam suas propriedades atraídos pelos altos preços, outros o fizeram por violëncia - a açäo de capangas que queimam casas e agridem pessoas para força-las a deixar suas terras é lamentavelmente comum.

Novamente, destaca-se o alto nível de organizaçäo e disposiçäo dos jovens paraguaios. Eles falaram muito náo sò das questóes econömicas, como também de seus problemas pessoais com família e professores. Sáo bem mais escolarizados do que os pais, mas se queixam do tipo de educaçäo que recebem, dizendo que desvaloriza a cultura camponesa e os estimula a deixar o campo, rumo a uma vida precária como migrantes na cidade. O ensino universitário começa a entrar em seus horizontes de expectativas e foi emocionante conversar com os primeiros jovens camponeses que iniciaram seus cursos.

Amanhá visitaremos outra comunidade rural, na rota de expansáo da soja - é sem dúvida o tema dominante por aqui. Ao fim do debate de hoje, me pediram para expor a situaçäo brasileira e chamei a atençäo dos jovens paraguaios para o fato de que os problemas que enfrentam por aqui sáo comuns também a seus colegas brasileiros do outro lado da fronteira. Comentei brevemente as negociaçöes agrìcolas no Mercosul e afirmei a importäncia de que as sociedades dos países do bloco se conheçam melhor, inclusive para pressionar seus governos em assuntos de interesses compartilhados.

No próximo post, comento sobre as tensóes na política do Paraguai, que estáo altas por conta do desafio ao domínio de 60 anos do Partido Colorado.

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