sexta-feira, 13 de julho de 2007

El Alto


“Por ali passou o Exército e a polícia, atirando, durante a crise de 2003. Foram mais de cem mortos”, contava meu amigo enquanto caminhávamos pela feira 16 de Julio. Esse imenso mercado popular a céu aberto (foto) é o coração de El Alto, que por sua vez é o epicentro dos movimentos sociais bolivianos. Há 20 anos a cidade tinha cerca de 80 mil habitantes, hoje possui dez vezes mais. Os migrantes vieram sobretudo da zona rural, pois depois da abertura econômica ficou muito difícil para os pequenos produtores viverem da agricultura, sem condições de competir com o agronegócio estrangeiro. A pouco mais de 10Km de La Paz, El Alto é uma cidade-dormitório que também possui um cordão industrial, principalmente de têxteis e de fábricas que trabalham madeira.

As organizações sociais de El Alto são o foco da nossa pesquisa na Bolívia e nossos colegas no país nos brindaram com um passeio inesquecível por essa cidade. Na feira de 16 de julho é possível comprar de tudo: roupas, Cds e dvds piratas, peças de automóveis, comida. Quase todas as barracas são comandadas por mulheres, às vezes com crianças ajudando. Será que os homens trabalham em La Paz? Ou migraram para Argentina, Brasil e EUA, como 2 milhões de seus compatriotas?

El Alto é uma cidade pobre, com a maioria das ruas sem calçamento, e algumas zonas com mais serviços urbanos. Para os padrões brasileiros, oscilaria entre áreas de favela e de classe média baixa. Ainda assim, não vi miséria abjeta. Por exemplo, todas as pessoas estavam bem agasalhadas contra o frio intenso – havia nevado muito alguns dias antes de nossa visita.




Um dos pontos mais importantes de El Alto é a Praça Tupac Katari, que homenageia o líder da grande revolta indígena da época colonial. A maoiria dos moradores da cidade pertence aos povos originários (como os índios bolivianos preferem ser chamados), sobretudo da etnia aymara. O conflito de gerações é marcante: enquanto os mais velhos se vestem com as roupas tradicionais, os adolescentes usam camisas de times de futebol europeus, de bandas de rock americano ou camisas de grife como Gap.

Há uma tensão entre os jovens aymara de El Alto entre manterem sua cultura e valorizarem sua identidade e o desejo de serem aceitos pela sociedade urbana e moderna, que com freqüência os discrimina de maneira brutal. Esse conflito às vezes resulta em movimentos culturais extremamente criativos e dinâmicos, como o hip hop nas línguas dos povos originários. Adorei a visita que fiz a Rádio Wayna Tambo, um ponto de encontro da juventude local. Ali eles fazem shows, conduzem debates e realizam cursos de temas de seu interesse. Conversamos com os rapazes e moças que tocam a estação comunitária. Alguns viveram nas favelas de São Paulo e de lá trouxeram ritmos brasileiros - há até um programa dedicado à música do Brasil. As canções dos jovens locais são muito bonitas, muito politizadas e críticas diante das injustiças sociais da Bolívia.

Também visitamos as sedes das organizações alteñas que tiveram papel de destaque nos conflitos políticos recentes do país. A Federación de las Juntas Vecinales e a Central Obrera Regional foram vitais em mobilizar a população da cidade nos grandes protestos de outubro de 2003, que culminaram na renúncia do presidente Sánchez de Lozada. Mais do que isso, foi uma rebelião popular que sepultou os partidos tradicionais da Bolívia e abriu caminho para a vitória de Evo Morales nas eleições presidenciais.

Minhas colegas de equipe continuavam a passar mal pela altitude e pelo esforço. Após a visita, deixei-as no hotel e fui caminhar mais um pouco por La Paz. Terminei o dia no Paseo El Prado, a avenida mais elegante da cidade – uma das canções do hip-hop aymara fala de um jovem que caminha por ela e se sente tratado como um extraterrestre pela elite branca.

2 comentários:

Geraldo Zahran disse...

Tudo isso que voce descreveu a impressionantes 4.100 metros de altitude!

Maurício Santoro disse...

Cara, mas nem senti a altitude... Afinal, com relação a La Paz são só mais 500m. Foi curioso, porque a única vez em que tinha estado tão alto foi na cordilheira dos Andes, na fronteira entre Argentina e Chile, e lá me senti mal, com os ouvidos doendo.

Abraços