domingo, 17 de junho de 2007

Dois Vivas à Arte Uruguaia!



O primeiro vai para Mario Benedetti. Há muito queria ler o famoso escritor e finalmente me decidi pelo romance “A Trégua”. Relutei porque o livro é narrado como diário, formato que não me atrai – prefiro as obras nas quais diversas vozes conduzem a trama. Bobagem minha. É uma belíssima história de amor entre Martín, viúvo cinqüentão que parece ter desistido de viver, e Laura, jovem que entra de maneira inesperada em sua existência e revoluciona sua rotina.

Em outras mãos a trama poderia escorregar para o melodrama, mas Benedetti toma o fiapo de enredo e constrói uma obra-prima emocionante. Martín, em seu diário, mistura ternura, humor, ironia e tristeza para examinar a si mesmo, seu amor por Laura, suas relações distantes com os três filhos, as pequenas intrigas da empresa onde trabalha como contador e as lembranças do casamento feliz que terminou quando ainda era muito jovem.

Alguns exemplos da prosa:

“Talvez Deus tenha uma face de crupiê e eu seja apenas um pobre-diabo que joga no vermelho quando dá preto, e vice-versa.”

“O que fiz da minha vida? É uma pergunta que soa a Gardel ou a Suplemento Feminino, ou a artigo do Reader´s Digest. Não importa. Hoje, domingo, sinto-me além do irrisório e posso me fazer perguntas desse tipo.”

“Ela me dava a mão e eu não precisava de mais nada. Bastava isso para que eu me sentisse bem acolhido. Mais do que beijá-la, mais do que nos deitarmos juntos, mais do que qualquer outra coisa, ela me dava a mão, e isso era amor.”


Ao fim, fica a idéia de que o amor é uma trégua na vida, mas ainda não é a felicidade. Essa é muito mais escorregadia. O romance é um dos primeiros lançamentos no Brasil da editora espanhola Alfaguara, que faz a alegria dos fãs da literatura latino-americana ao redor do mundo.

“A Trégua” foi publicado em espanhol em 1960 e foi o livro que tornou Benedetti conhecido internacionalmente. Ele ainda está vivo, tem quase 90 anos e me lembro de uma bela entrevista sua ao Clarín na qual falava de literatura, da proximidade da morte e de sua relação com a Argentina. Ele afirmou que descobriu sua vocação de escritor quando viveu em Buenos Aires, no início de sua vida adulta. Gostei de saber que ambos compartilhamos o carinho não só por essa extraordinária cidade, mas por locais específicos como a Praça San Martín.

O segundo viva é para o compositor e poeta Alfredo Zitarrosa. Quem me falou dele foi meu senhorio em Buenos Aires, com quem costumava conversar longamente sobre arte e política. Ele me emprestou um CD com as melhores canções deste que está para o Uruguai como Chico Buarque para o Brasil.

A que primeiro me chamou a atenção foi “Adagio para mi país”, que apesar do título triste tem versos muito otimistas e bonitos:

Dice mi pueblo que puede leer
en su mano de obrero el destino
y que no hay adivino ni rey
que le pueda marcar el camino
que va a recorrer.



Também é o caso de “Guitarra Negra”, um longo poema que descreve a morte como uma patrulha da polícia política, revirando a casa e os papéis de Zitarrosa:

Hoy anduvo la muerte buscando entre mis libros alguna cosa... Hoy por la tarde anduvo, entre papeles, averiguando cómo he sido, cómo ha sido mi vida, cuánto tiempo perdí (...), Hoy anduvo la muerte revisando los ruidos del teléfono, distintos bajo los dedos índices, las fotos, el termómetro, los muertos y los vivos, los pálidos fantasmas que me habitan, sus pies y manos múltiples, sus ojos y sus dientes, bajo sospecha de subversión... Y no halló nada... No pudo hallar a Batlle, ni a mi padre, ni a mi madre, ni a Marx, ni a Arístides, ni a Lenin, ni al Príncipe Kropotkin, ni al Uruguay ni a nadie... ni a los muertos Fernández más recientes... A mí tampoco me encontró... Yo había tomado un ómnibus al Cerro e iba sentado al lado de la vida...

Mas sua canção que mais ficou comigo foi “Adiós Madrid”, que ele fez quando terminou seu exílio na capital espanhola. Muito da declaração de amor à cidade é o que gostaria de dizer a Buenos Aires e na realidade foi essa música que tocava na minha cabeça quando o táxi me levava do meu apartamento em Palermo para o aeroporto em Ezeiza:

Dura raíz, siento al partir
que algo de mí se queda aquí
ya para siempre: la ardiente ilusión de quererte,
ser fuerte y dejarte, sin dejar de amarte.

2 comentários:

Anônimo disse...

É muito difícil separar a arte argentina da uruguaia. A arte uruguaia naciu com os exiliados argentinos dos tempos de Rosas, o teatro argentino naciu com Florencio Sánchez (uruguaio), o tango mais grabado na Argentina (La Cumparsita) é uruguaio...
Meu primer livro "de verdade" foi dum uruguaio (Os Contos da Silva de Quiroga, autor uruguaio radicado em Misiones, Arg., cerca do límite com o Brasil e o Paraguai), assim que minha uniäo com a literatura do pais vizinho é muito forte.
Ainda näo li nada de Benedetti, mas vou tentar consiguer algo (é muito popular aqui, obviamente).
Abraços!

Maurício Santoro disse...

Estimado amigo:

Borges dizia que se nascesse como uruguaio, seria como mudar de bairro. A mi me gustan los dos, che.

Abrazos